A Experiência Psicodélica resumida

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Capa de "A Experiência Psicodélica"

Encontrei o texto abaixo revirando diretórios que não toco há mais de dez anos.

É um artigo de Timothy Leary (1920 - 1996) que resume os pontos essenciais do clássico A Experiência Psicodélica (a imagem acima é parte da capa desse livro), de 1962, um tipo de manual que adapta um texto budista tibetano para uma experiência espiritual intensa com LSD.

Eu costumava compartilhar esse tipo de documento entre comparsas de psicodelia — incluindo uma impressão caseira, tipo fanzine, do texto mais longo, muito antes da publicação da tradução em português.

Hoje sou mais cético em relação à "abertura espiritual" possível com experiências psicodélicas. As portas realmente podem se abrir. Mas entrar e caminhar é o trabalho de cada pessoa, nenhum fator externo como uma substância substitui isso.

No entanto, estamos vivendo a segunda grande onda psicodélica, com cidades descriminalizando o uso individual de substâncias como a psilocibina — como fez San Francisco, recentemente — e diversos estudos científicos comprovando os benefícios, como documenta a série How To Change Your MindHow To Change Your Mind


The Netflix series How To Change Your Mind is the best documentary I ever saw on psychedelics (I watched dozens). The book of Michael Pollan was already so moving, and this was extremely well done and thought. Kudos!
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Tal tipo de conteúdo pode realmente ajudar quem fica meio perdido com a "dissolução do ego" de uma viagem, por exemplo, achando que está morrendo etc.

O original em inglês foi publicado no crucial Erowid (após todos esses anos, é o mesmo link!).


Usando LSD para vivenciar a experiência budista tibetana de forma marcante

Guia para uma experiência psicodélica efetiva
Timothy Leary, PhD

Tendo lido este manual preparatório, a pessoa pode reconhecer imediatamente os sintomas e experiências que seriam aterrorizantes de outro modo — apenas devido à falta de compreensão. Reconhecimento é a palavra-chave. Reconhecer e localizar o nível de consciência.

Este guia também pode ser usado para evitar viagens paranoicas ou para restabelecer a transcendência se ela tiver sido perdida.

Se a experiência começar com luz, paz, unidade mística, compreensão e continuar nisso, então não há necessidade de lembrar do manual ou ouvi-lo recitado por alguém.

Como um mapa de viagem, consulte-o apenas se estiver perdido, ou quando você pretende mudar de rota.

Planejando uma sessão

Qual é o objetivo? O hinduísmo clássico sugere quatro possibilidades:

  1. Aumento de poder pessoal, compreensão intelectual, insights mais afiados sobre a personalidade e a cultura, melhoria da situação de vida, aprendizado mais rápido, crescimento profissional
  2. Dever, trabalho ajudando os outros; fornecimento de assistência, reabilitação e renascimento para pessoas próximas
  3. Diversão, prazer sensual e estético, proximidade interpessoal, pura experimentação
  4. Transcendência, liberação em relação ao ego e limites de espaço-tempo; alcançar união mística

A ênfase principal do manual no último objetivo não impede os outros — na verdade, o último garante eficácia nos outros porque a iluminação exige que a pessoa seja capaz de transcender problemas de personalidade, obrigações e status profissional. O iniciado pode decidir de antemão devotar sua experiência psicodélica a qualquer um dos quatro objetivos.

Na experiência transcendental extrovertida, o ego é fundido em êxtase com objetos externos (por ex., flores, outras pessoas). No estado introvertido, o ego se funde extaticamente com processos vitais (luzes, ondas de energia, eventos no corpo, formas biológicas etc).

Ambos os estados podem ser negativos em vez de positivos, dependendo da condição & cenário (set & setting) em que o viajante está. Para a experiência mística extrovertida, poderiam ser trazidos para a sessão: velas, imagens, livros, incenso, música ou passagens gravadas para guiar a atenção na direção desejada. Uma experiência introvertida requer a eliminação de todo estímulo: nenhuma luz, som, odor ou movimento.

A forma de comunicação com outros participantes também deve ser combinada de antemão, para evitar mal-entendidos durante a sensibilidade expandida da transcendência do ego.

Se várias pessoas estão numa mesma sessão, elas devem pelo menos estar cientes dos objetivos de cada um. Manipulações imprevistas ou não desejadas podem facilmente aprisionar outros viajantes em paranoias e ilusões.

Preparação

A química psicodélica não se refere a drogas no sentido usual da palavra. Não há reações físicas ou psicológicas específicas.

Quanto melhor for a preparação, mais extasiante e revelatória será a sessão. Nas primeiras sessões com pessoas despreparadas, a condição e o cenário (set & setting) — particularmente as ações das outras pessoas — são mais importantes.

A "condição" (set) mais ampla se refere à história pessoal, aos traços de personalidade mais marcantes, ao tipo de pessoa que você é. Seus medos, desejos, conflitos, culpas e paixões secretas determinam como você interpreta e administra qualquer sessão psicodélica.

Mais importante, talvez, sejam os reflexos condicionados, barreiras e atitudes defensivas, frequentemente usadas ao lidar com a ansiedade. Flexibilidade, confiança básica, fé filosófica, abertura humana, coragem, calor interpessoal e criatividade permitem a diversão e o aprendizado fácil. Rigidez, desejo de controle, desconfiança, cinismo, visão estreita, covardia e frieza tornam qualquer nova situação ameaçadora.

O mais importante é o insight. A pessoa que tem algum entendimento sobre seus próprios mecanismos, que pode reconhecer quando não está funcionando como gostaria, é capaz de se adaptar a qualquer desafio — mesmo o colapso súbito de seu próprio ego.

A "condição" imediata se refere a expectativas sobre a sessão. As pessoas naturalmente tendem a impor perspectivas pessoais e sociais em qualquer situação nova. Por exemplo, algumas pessoas mal preparadas inconscientemente aplicam um modelo médico na experiência. Elas procuram sintomas, interpretam cada sensação nova em termos de doença ou saúde e, se surge ansiedade, exigem tranquilizantes. Ocasionalmente, sessões mal preparadas terminam com o viajante exigindo um médico.

A rebeldia contra as convenções pode ser a motivação de algumas pessoas. A ingênua ideia de fazer alguma coisa "extraordinária" ou ligeiramente suja pode eclipsar a experiência.

O LSD oferece vastas possibilidades para acelerar o aprendizado e para pesquisa científica e acadêmica, mas nas primeiras sessões, reações intelectuais podem se tornar armadilhas. "Desligue sua mente" é o melhor conselho para novatos. Depois que você aprender como mover sua consciência — para a perda do ego e retornar, de acordo com a vontade — então exercícios intelectuais podem ser incorporados na experiência psicodélica. O objetivo é libertar-se de sua mente verbal pelo maior tempo possível.

Expectativas religiosas chamam o mesmo conselho. Do mesmo modo, a melhor instrução nas primeiras sessões é flutuar na corrente, ficar "atento" o maior tempo possível e adiar interpretações teológicas.

Expectativas recreativas ou estéticas são naturais. A experiência psicodélica fornece momentos de êxtase que diminuem qualquer jogo pessoal ou cultural. A sensação pura pode capturar a atenção plena. A intimidade interpessoal chega nos Himalaias. Deleites estéticos — musicais, artísticos, botânicos e em meio à natureza, são elevados à milionésima potência.

Algumas recomendações práticas

A pessoa deve separar pelo menos três dias: um dia antes da experiência, o dia da sessão e o dia seguinte. Esse agendamento garante uma redução da pressão externa e um comprometimento mais sóbrio. Conversar com pessoas que já fizeram a viagem é uma preparação excelente, embora a qualidade alucinatória de todas as descrições deva ser reconhecida. Observar uma sessão é outra preliminar valiosa.

Ler livros sobre experiências místicas e a vivência de outras pessoas é outra possibilidade (Aldous Huxley, Alan Watts e Gordon Wasson escreveram relatos poderosos). Meditação provavelmente é a melhor preparação.

Aqueles que passaram um tempo em uma tentativa solitária de administrar a mente, para eliminar o pensamento e alcançar estágios elevados de concentração, são os melhores candidatos para uma sessão psicodélica. Quando a perda do ego acontece, eles reconhecem o processo como um objetivo ansiosamente aguardado.

O Cenário ("setting")

Primeiro e mais importante: forneça um ambiente afastado dos jogos interpessoais frequentes do participante, tão livre quanto possível das distrações imprevistas e de intrusos. O viajante precisa ter certeza de que não será perturbado; visitantes ou telefonemas provavelmente irão empurrá-lo em direção à atividade alucinatória. Confiança no ambiente em volta e na privacidade é necessária.

O dia depois da sessão dever ser reservado para permitir que a experiência mantenha seu curso natural, dando tempo para reflexão e meditação. Uma volta apressada aos envolvimentos nos "jogos" irá borrar a claridade e reduzir o potencial de aprendizado. É muito importante para um grupo permanecer junto depois da sessão para compartilhar experiências.

Muitas pessoas ficam mais confortáveis à noite e, consequentemente, suas experiências são mais profundas e ricas. A pessoa deve escolher a hora do dia que parecer correta. Mais tarde, ela pode decidir experimentar a diferença entre sessões de dia e de noite.

Do mesmo modo, jardins, praias, florestas e campo aberto tem influências específicas que alguém pode querer ou não.

O ponto essencial é se sentir o mais confortável possível, tanto na sala de estar quanto sob o céu noturno. Arredores familiares podem ajudar a pessoa a se sentir confiante nos períodos alucinatórios. Se a sessão for feita em ambiente interior, música, iluminação e disponibilidade de comida e bebida devem ser planejadas de antemão.

A maioria das pessoas relatam não ter nenhuma fome durante a elevação da experiência; mais tarde preferem comidas simples e antigas como pão, queijo, vinho e frutas frescas. Os sentidos estão escancarados — o sabor e o cheiro de uma laranja fresca são inesquecíveis.

Em sessões em grupo, as pessoas geralmente não vão querer ficar andando ou se movendo muito por longos períodos; camas ou almofadas devem ser providenciadas. Uma sugestão é colocar as cabeceiras de camas juntas para formar um padrão de estrela.

Talvez alguém prefira colocar algumas camas juntas e manter uma ou duas mais afastadas para alguém que deseje ficar longe por um tempo. A disponibilidade de um quarto extra é desejável para alguém que deseje se isolar.

O guia psicodélico

Com a mente analítica suspensa, a pessoa está em um estado elevado de sugestionabilidade. Nas sessões iniciais, o guia possui enorme poder para direcionar a consciência dela com o mais leve gesto ou reação.

A chave aqui é a habilidade do guia em desligar seu próprio ego, jogos sociais, necessidade de poder e medos; para estar ali, relaxado, sólido, aberto, seguro, para perceber tudo e não fazer nada a não ser deixar a pessoa se dar conta da sua presença sábia.

Uma sessão psicodélica dura até 12 horas e produz momentos de reações intensas, muito intensas. O guia jamais deve se entediar, ou ficar tagarelando e intelectualizando. Ele deve permanecer calmo durante longos períodos de quietude mental estonteante. Ele é a torre de controle, sempre lá para receber mensagens e consultas da aeronave nas alturas, pronto para ajudar a definir o curso e a chegar no destino.

O guia não impõe seus próprios jogos ao viajante. Pilotos que tenham seu próprio plano de vôo, seus próprios objetivos, ficam mais tranquilos ao saber que um especialista está lá embaixo, disponível para ajudar. Mas se o controle terrestre está abrigando sua própria agenda, manipulando a nave em direção a objetivos egoístas, a ligação de segurança e confiança se despedaça.

Administrar psicodélicos sem experiência pessoal é anti-ético e perigoso. Nossas pesquisas concluíram que quase todas as reações negativas com LSD foram causadas pelo medo do guia, que aumentou o medo ocasional da pessoa. Quando o guia age na defensiva, ele comunica sua preocupação. Se aparece desconforto temporário ou confusão, os outros não devem se sintonizar ou demonstrar alarme, é preciso permanecer calmo e frear os "jogos de ajuda". Em particular, fazer papel de "médico" é algo que deve ser evitado.

O guia deve permanecer passivamente sensível e intuitivamente relaxado por várias horas — tarefa difícil para a maioria dos ocidentais. A maneira mais precisa de manter um estado de quietude alerta, equilibrado em flexibilidade disponível, é o guia tomar uma dose pequena do psicodélico junto com a pessoa.

Um procedimento de rotina é ter uma pessoa experiente participando da experiência e um membro da equipe presente sem o auxílio psicodélico. Saber que um guia experiente está "ligado", fazendo compania à pessoa, tem um valor inestimável: é a segurança de um piloto treinado voando ao seu lado, do mergulho no fundo do mar junto com um especialista.

O viajante menos experiente irá, mais provavelmente, impor alucinações. O guia, provavelmente em um estado de vacuidade, em fluxo prazeroso, é então atirado dentro do campo alucinatório do viajante e pode ter dificuldades para se orientar. Não há pontos de referência familiares, nenhum chão para por os pés, nenhum conceito sólido para basear o pensamento. Tudo é um fluxo. Uma ação decisiva do guia pode estruturar o fluxo do viajante se ele tomou uma dose alta.

O guia psicodélico é literalmente um liberador neurológico, que fornece iluminação, que liberta pessoas das amarras internas de toda uma vida. Estar presente no momento do despertar, participar da revelação extasiante em que o viajante descobre a maravilha e o assombro do divino processo vital, ultrapassa em muito as ambições dos jogos mundanos. Assombro e gratidão – em vez de orgulho – são as recompensas dessa nova profissão.

O período da Perda do Ego ou Êxtase Além dos Jogos

O êxito implica uma preparação bastante incomum para a expansão da consciência, assim como muita calma e jogos compassivos (bom karma) da parte do participante. Se o viajante consegue ver e compreender a ideia da mente em vacuidade assim que o guia a revela — ou seja, se ele tem o poder de morrer conscientemente — e, no momento supremo do abandono do ego, consegue reconhecer o êxtase que amanhecerá, se tornando um com ele, então todos os laços da ilusão são despedaçados imediatamente: o sonhador é acordado dentro da realidade junto com a poderosa realização do reconhecimento.

É melhor que o guru de quem o participante recebeu as instruções de orientação esteja presente. Mas se ele não puder participar, então outra pessoa experiente, ou uma pessoa que o viajante confie, deve estar disponível para ler este manual sem impor nenhum de seus próprios jogos. Assim, o participante será relembrado sobre o que já tinha ouvido sobre a experiência.

Liberação é o sistema nervoso livre de conceitos mentais redundantes. A mente em seu estado condicionado, limitada a palavras e jogos do ego, está continuamente na atividade da geração de pensamentos. O sistema nervoso em um estado de repouso, alerta, desperto mas não ativo, é comparável ao que budistas chamam de o mais elevado estado de dhyana (meditação profunda). O reconhecimento consciente da Clara Luz induz uma condição extasiante de consciência ao qual santos e místicos do Ocidente chamaram de iluminação.

O primeiro sinal é o vislumbre da "Clara Luz da Realidade, a mente infalível do estado místico puro", uma consciência das transformações de energia com nenhuma imposição de categorização mental.

A duração desse estado varia, dependendo de experiência individual, segurança, confiança, preparação e os arredores. Para aqueles que tem um pouco de experiência prática com a condição de tranquilidade do estado desperto além dos jogos, essa condição pode durar de 30 minutos até várias horas.

A realização daquilo que os místicos chamam de "Verdade Absoluta" é possível, desde que a pessoa tenha se preparado suficientemente de antemão. De outro modo, ele não consegue se beneficiar imediatamente, e acaba vagando em condições alucinatórias cada vez mais baixas até que cai de volta na realidade ordinária.

É importante lembrar que a expansão da consciência é o reverso do processo de nascimento — a experiência da perda do ego sendo um fim temporário dos jogos da vida, uma passagem de um estado de consciência para outro. Assim como uma criança deve acordar e aprender com a vivência da natureza neste mundo, uma pessoa deve despertar neste brilhante mundo novo da expansão da consciência e se tornar familiar com suas condições peculiares.

Para aqueles extremamente dependentes dos jogos do ego, que se horrorizam ao abandonar o controle, o estado iluminado dura apenas uma fração de segundo. Para alguns, isso dura o tempo que se leva para comer uma refeição.

Se o participante está preparado para diagnosticar os sintomas da perda do ego, ele já não precisa de ajuda externa nesse ponto. A pessoa prestes a abandonar seu ego deve ser capaz de reconhecer a Clara Luz. Se o participante falha em reconhecer a aproximação da ego-perda, ele pode reclamar de sintomas corporais estranhos que indicam que não se chegou a um estado de liberação:

  1. Pressão no corpo

  2. Frio úmido seguido de calor febril

  3. Corpo se desintegrando ou explodindo em átomos

  4. Pressão na cabeça e ouvidos

  5. Formigamento nas extremidades

  6. Sensação do corpo derreter ou escorrer como cera

  7. Náusea

  8. Tremor ou convulsão, começando na região pélvica e se espalhando pelo torso

O guia ou amigo deve explicar que esses sintomas indicam a aproximação da perda do ego. Essas reações físicas são sinais anunciando a transcendência: evite tratá-las como sintomas de doença. O participante deve saudar as mensagens do estômago como um sinal de que a consciência está se movendo pelo corpo. Vivencie completamente a sensação e deixe a consciência fluir para a próxima fase.

Normalmente é mais natural deixar a atenção do viajante se mover do estômago para se concentrar na respiração ou nos batimentos do coração. Se isso não o libertar da náusea, o guia deve direcionar a consciência para eventos externos: música, caminhada no jardim etc. Como último recurso, vômito.

Os sintomas físicos da perda do ego, reconhecidos e compreendidos, devem resultar na chegada pacífica à iluminação. O exemplo de uma agulha equilibrada percorrendo uma linha na costura é usado por Lamas para elucidar essa condição. Enquanto a agulha manter o equilíbrio, ela permanece na linha. Eventualmente, contudo, a força do ego ou de estímulos externos afetam-na e ela cai.

No reino da Clara Luz, de modo similar, uma pessoa no estado de transcendência em relação ao ego momentaneamente desfruta de uma condição de unidade e equilíbrio perfeitos.

Não familiarizado com tal estado extasiante de não-ego, a consciência mediana não tem o poder de funcionar dentro disso.

Pensamentos da personalidade, do ser individual, o dualismo, evitam a realização do nirvana (é o "soprar na chama" do medo, ou egoísmo).

Enquanto o viajante está claramente no êxtase profundo da transcendência do ego, o guia sábio permanece em silêncio.