Apareceu no Hacker News essa discussão sobre uma daquelas clássicas bad trips de LSD em que a pessoa não "volta" mais. Além de psicodélicos estarem sendo bastante discutidos fora da bolha, devido ao atual "renascimento" dessas substâncias, isso é algo bastante influente no Vale do Silício e derivados, já que muitos dos primeiros programadores eram ou viviam entre hippies, tomavam ácido e isso influenciou suas criações. E a prática continua hoje, em microdosagem ou festivais do mundo tech como o Burning Man.
Uma das reclamações desse relato traumático publicado é que predomina na cultura popular, e na web em geral, um tipo de apologia aos benefícios de psicodélicos. Como este site se enquadra nessa descrição, esse é um bom gancho para falar disso.
Apesar de apresentar aqui psicodélicos (LSD, DMT, psilocibina etc) sob uma luz positiva, definitivamente não advogo seu uso indiscriminado. Não é para todo mundo.
Mas, assim como eu, diversas pessoas se beneficiam. Eu posso dizer que isso praticamente define a pessoa que me tornei. Jamais teria minha visão de mundo sem as experiências psicodélicas que vivenciei. E, sem essa visão de mundo, jamais teria feito as escolhas que fiz.
No entanto, o que faz a diferença não é a substância em si. Conta muito mais o interesse dedicado no horizonte vislumbrado. Com frequência, ouço e vejo relatos de pessoas que usam psicodélicos com a esperança de se curarem de alguma neurose ou disfunção crônica. E, assim como no relato citado, isso costuma acontecer devido à publicidade positiva que essa prática em geral recebe.
Não sei bem se esses resultados positivos estão muito inflados em relação à taxa real de sucesso. O que certamente acontece é que muitas pessoas que experimentam uma transformação radical ficam entusiasmadas a ponto de sair proclamando aos quatro ventos a suposta panaceia.
Isso cria um problema pois vai soar muito atrativo para quem sofre de algum incômodo ou distúrbio mental, ainda mais em nossa cultura materialista que busca curar tristeza com pílulas.
A etimologia da palavra "psicodélico" é "manifestador da mente". Então, se houver um distúrbio mental, ele será amplificado. Isso até pode facilitar um entendimento melhor sobre as causas do distúrbio, mas na prática, para a maioria das pessoas com esse perfil, será apenas uma intensificação daquilo que já está presente, podendo se tornar insuportável e traumático.
Bad trips
Tive uma experiência bem traumática com psicodélicos na juventude, quando um amigo bem próximo, se matou após um período de consumo frequente de LSD. Ele nunca foi diagnosticado oficialmente com algum distúrbio, mas diversos sinais, como depressão, eram nítidos antes do uso.
Depois, outro amigo foi diagnosticado com esquizofrenia exatamente no período em que começou a usar intensamente psicodélicos. Obviamente que não foi a substância que causou a doença, mas ela acelerou a manifestação completa.
São casos isolados, já que conheço dezenas de pessoas que nunca tiveram nenhum problema maior ou até se sentem bastante beneficiadas, apesar de isso não anular ou compensar os casos negativos.
Uma questão é que — com o atual aumento da exposição dos psicodélicos, frequentemente no contexto de uso terapêutico — esses casos tendem a aumentar. Por isso, são essenciais os alertas sobre uso não recomendado ou descuidado — especialmente no caso de distúrbios mentais intensos.
Vi um comentário interessante comparando uma bad trip traumática com um fim de relacionamento. A maioria das pessoas supera. Há casos em que isso leva mais tempo. Mas seria absurda uma recomendação universal sobre não se apaixonar devido a esse risco. Ou então sobre não amar ninguém devido ao risco de morte ou perda.
Como diz a sabedoria popular psicodélica, bad trips são essenciais. Sem elas, não há transformação, já que elas nos forçam a olhar ou vivenciar aquilo que evitamos. Se tudo fosse só êxtase transcendental, que incentivo teríamos para mudar? Como dizem os ayahuasqueiros, "a correção da peia é o que transforma."
Entre minhas bad trips épicas, não gosto nem de lembrar da pior. Se aquele estado mental durasse alguns dias, acho que seria capaz de pensar em suicídio. Era uma condição desprovida completamente de propósito ou sentido. Estava em meio a outras pessoas e conseguia funcionar mais ou menos normalmente, ou pelo menos aparentar isso. Já, por dentro, era como se todo o sentido da vida tivesse sido removido. Eu olhava as coisas e pessoas e tudo parecia completamente arbitrário, absurdo, desconectado, como se tudo fosse de plástico ou mentira. Tudo de bom que sempre cultivei evaporou como se não fosse nada. E a possibilidade de haver algum sentido além disso estava completamente descartada, não havia a menor chance. Não havia motivo nenhum para existir.
Foi uma escuridão mais intensa do que podia suportar.
(até hoje não entendia bem o que tinha acontecido, mas escrevendo isso agora veio um insight: esse foi um período de transformação intensa, em que passei a expurgar tudo que considerava negativo, talvez rápido demais. Tudo ficou abrupta e artificialmente "positivo". Daí veio essa "sombra" intensa. Acho que foi Jung que disse: "Quanto maior a luz, mais forte será a sombra que ela projeta.")
Felizmente, passou em meia hora, como se eu acordasse de um pesadelo, saísse de uma névoa, ou alguma parte essencial do cérebro fosse reativada.
Sobre essas histórias de pessoas que não voltam, talvez eu seja uma delas, no bom sentido. Nas experiências mais reveladoras, enxerguei através do véu, da cortina, e ela jamais se fechou de volta completamente. Conheço muita gente assim. É como andar de bicicleta: depois que você aprende não tem como desaprender.
Nunca encontrei ninguém que não tenha voltado no caso negativo. Mas se casos positivos existem, os negativos também devem existir. Talvez esse sentido ou propósito que mencionei, após ele se quebrar completamente, pode ser que ele jamais se reconstrua inteira e perfeitamente. Consigo imaginar isso acontecendo comigo caso eu tivesse me fixado demais naquela experiência vazia e niilista, sem nada de positivo para compensar.
Renascença
Então falo aqui abertamente sobre essas drogas no contexto da renascença psicodélica que estamos vivendo. Colocar essas substâncias no mesmo saco de crack, metanfetamina ou heroína não tem sentido. São coisas muito diferentes.
A atual renascença é possível justamente porque essa falta de entendimento está sendo desfeita, e a ciência está acordando para os efeitos benéficos dos psicodélicos.
Não é algo novo. As mesmas pesquisas que estão sendo feitas hoje — sobre o uso terapêutico dessas drogas — estavam sendo feitas nos anos 50 e início dos 60 com resultados muito promissores. No entanto, veio o furacão hippie, e um tipo de histeria de massa contra o uso dessas drogas acabou criminalizando-as e suspendendo todos os estudos, criando um atraso científico e cultural de décadas.
Agora, meio século depois, tal ciência está sendo retomada no ponto interrompido e algumas dessas substâncias estão sendo descriminalizadas. Então, nesse contexto, considero crucial a discussão aberta sobre os benefícios (ou malefícios) dessas substâncias.