Vasto sistema ativo de inteligência viva

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Capa de "Ways of Being"

Que tipo de inteligência participa ativamente da perfuração, drenagem e espoliação das poucas áreas selvagens que restam na Terra, em nome de uma ideia de progresso que já sabemos estar condenada? Essa não é uma inteligência que eu reconheço.

James Bridle

Maneiras de Ser (Ways of Being, 2022), de James Bridle, foi o melhor livro de não ficção que li nos últimos tempos. Cobre vários dos assuntos que mais me interessam, como:

  • O que é consciência?
  • O que é vida?
  • Desdobramentos da tecnologia que beiram a ficção científica.
  • A irrefreável energia destrutiva massiva das corporações, e o modo capitalista de ver o mundo, que a sustenta.
  • Utopia.

Um trecho do livro:

Frsiiiiiiifronnnng e todos nós vamos desmoronando pela linhagem genética. É uma imagem delirante: um desejo infinitamente florescente, estranho e tenso de vida e interconexão. Os líquens cultivam algas e nós cultivamos bactérias e cada uma alimenta o outro, as árvores estão falando e todos estão cantando. Somos descendentes de Typhus, do lado de nossa mãe, e de Archaea, que produz metano, do outro lado. Toda vez que treinamos nossas ferramentas mais sofisticadas nas questões centrais de nossa existência — Quem somos? De onde viemos? Para onde estamos indo? — a resposta volta mais clara: todo mundo em todos os lugares.

Bridle é um artista plástico e ensaísta, que costuma escrever sobre tecnologia para publicações como Wired, The Atlantic e The Guardian. O livro demonstra como estamos cegos para as mais incríveis e variadas formas de inteligência dos reinos animal e vegetal, e para o modo como essa rica dimensão engloba e entrelaça tudo, abraçando amplamente inclusive a esfera tecnológica de nossa existência.

Não é apenas uma crítica dos sistemas e pensamentos dominantes, pois o autor apresenta também sua fascinante visão de como as tecnologias — como o aprendizado de máquina, ou IA — poderiam expressar um conceito de inteligência mais vasto, interligado e, essencialmente, benéfico à vida, em vez de serem meros tentáculos da destruição hipercapitalista.

O livro consegue agradar tanto leitores mais tech quanto ecologistas, mergulhando profundamente nesses temas. Não faltam anedotas saborosas, curiosidades técnicas, reflexões instigantes, história etc.

Gostei também especialmente do capítulo sobre um tipo de renascimento político, com base no modelo de democracia direta que utiliza a lógica randômica do sorteio, algo que também acredito ser o melhor modelo de decisão participativa.

Um bom resumo do livro está no capítulo final:

Afinal, se podemos sintonizar radares militares para observar a migração de pássaros, ou converter satélites espiões para aprender sobre as origens do universo, então podemos colocar as ferramentas de vigilância para trabalhar na construção de um parlamento mais do que humano.

E talvez essa nunca tenha sido a verdadeira questão. O que acho que passei a entender, mais profundamente do que nunca, é que o inimigo não é a tecnologia em si, mas sim a desigualdade e a centralização do poder e do conhecimento, e que a resposta a essas ameaças é a educação, a diversidade e a justiça. Você não precisa de inteligência artificial para resolver isso. Você precisa de inteligência real.

Mas o mais importante é que você precisa de todas as inteligências reais - cada pessoa, animal, planta e inseto; cada criatura, cada pedra e cada sistema natural e não natural. Você precisa de um computador-caranguejo do tamanho do mundo. O problema nunca é a tecnologia em si; afinal, lembre-se, o computador é como o mundo.

Continuo tão entusiasmado como sempre estive com o poder e as possibilidades dos computadores e das redes; apenas abomino as estruturas de poder, injustiça, indústria extrativista e pensamento computacional nas quais eles estão inseridos atualmente. Mas espero ter demonstrado, até certo ponto, que não precisa ser assim. Sempre há outras formas de fazer tecnologia, assim como há outras formas de fazer inteligência e política. A tecnologia, afinal, é o que podemos aprender a fazer.

(O título deste post é uma referência ao livro Valis (Vast Active Living Information System), de Phillip K. Dick.)