Caí na arapuca de experimentar "vape". Isso é mais viciante e nocivo aos pulmões do que cigarro, mas tem um apelo muito maior, uma aura tecnológica, limpa e supostamente saudável, que impulsiona seu uso.
Tinha curiosidade desde que isso começou a se popularizar. Mas vi os alertas sobre ser altamente viciante e descartei.
Paro de fumar e volto há uns 25 anos. Meu maior período sem foi de seis anos. Nos últimos dois, fumei e parei diversas vezes. Goma de nicotina funciona, mas é muito caro. Tentei também fumar kumbaya, que é uma mistura de ervas sem nicotina, e tabaco orgânico mais fraco. Mas, no final, sempre voltava pro cigarro.
Vi relatos de gente que conseguiu parar ou diminuir usando vape (e também vários alertas sobre os malefícios, que não dei tanta atenção). Como um último recurso, decidi experimentar, como um tipo de inalador de nicotina para reduzir a fissura.
Foi uma falha retumbante. Como o líquido que comprei tem sabor adocicado de menta, o vapor é muito saboroso, irresistível. E a dose de nicotina é bem maior: acho que uma tragada de vapor equivale a umas três ou quatro de cigarro. Bate aquela "tonteira" e formigamento de um modo intenso, impossível com cigarro. Isso acaba sendo prazeroso.
Como o processo é bem limpo — não tem cheiro, bituca, cinzas etc —, acabei "fumando" mais. Além das pausas como se fosse cigarro, parando tudo e dando uns tragos "reflexivos", também dava umas tragadas no meio de qualquer atividade, devido à portabilidade do aparelho e à simplicidade do processo. É só pegar e tragar quando der a mínima vontade.
Nisso, a quantidade de nicotina que acabei absorvendo explodiu. Entendi na pele algo que tinha ouvido falar: uma psiquiatra que trata adicção comentou que jovens tentando largar o vape apresentam a mesma quantidade de nicotina na urina de fumantes no nível perto do "terminal": mais de dois maços/dia (a minha média era de quatro cigarros diários).
Fiquei ainda mais viciado.
Senti-me mais ou menos como os chimpanzés de um experimento real cruel que mediu quão viciante é a cocaína. Os macacos tinham disponível uma alavanca que dispensava uma pequena dose de coca. Eles iam puxando em intervalos cada vezes menores, abandonando até a alimentação, até morrerem de overdose.
Lembro também daquele filme O Informante (1999), sobre as corporações do tabaco, em que o químico testemunha-chave, no tribunal, define o cigarro industrializado como um dispositivo químico para entregar o máximo de nicotina possível, através de aditivos, para criar o maior vício (e lucro) possível. Com o adicional de uma bateria de lítio, esse mecanismo de viciar agora ganhou uma turbinada tech.
O vapor agride mais os pulmões do que fumaça, depois de uns dias de uso. Dá falta de ar e uma sensação opressiva, horrível, no pulmão.
Um outro forte apelo do vape é que, curiosamente, atividades físicas não ficam prejudicadas. Com cigarro, perco o fôlego para andar de bicicleta, por exemplo. Com vape, parece que não houve prejuízo em exercícios de fôlego (até agora).
Estou me policiando para usar cada vez menos, vaporizando um líquido que não é muito saboroso. Mas isso é tão desafiador quanto ir largando cigarros; principalmente agora, que fiquei mais fissurado.
Deve ter gente que não sente tanta agressão no pulmão, já que tem até canal de Youtube sobre vape. Mas não tenho pulmões sensíveis: fumaça de cigarro não agredia especialmente.
Um "podsystem" para vaporizar não é barato, assim como líquidos e cabeças extras. Outro fator negativo é que o comércio desses aparelhos é completamente irregular — oficialmente isso é ilegal no Brasil. Na minha primeira compra (online), veio um produto defeituoso e, apesar de ter sido reembolsado no final, demorou e o atendimento foi péssimo. Essas lojas às vezes são fechadas por ordem judicial e simplesmente mudam de nome e site. Fazem o mesmo no site Reclame Aqui. Então a chance de levar um golpe é bem mais alta do que com outros produtos.
Resumindo, se tiver curiosidade, melhor nem experimentar. Vai ser bom no início, depois…
Tem essa história de um jovem que teve os pulmões literalmente destruídos vaporizando, muito mais dramática: BBC — 'Óleo de vape não sai do meu pulmão'. (via Júlia, no Órbita)
Atualização (2023.09.25): Provavelmente o que estava agredindo mais intensamente os pulmões era um líquido específico, um nicsalt mentolado de 50mg brasileiro (não vou citar a marca pois não tenho certeza. Outro fator pode ter sido eu ter trocado a cabeça, ou "pod", que era de uma tecnologia nova, com coiler de cerâmica, para uma tradicional). Ainda estou parando; e usando depois um líquido da Zomo, não tive mais os sintomas de falta de ar e peso nos pulmões. Como esse mercado no Brasil é ilegal, não há regulamentação nenhuma da qualidade dos produtos e vai saber o que é que estão colocando ali dentro.