Encontros Extraterrestres

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Cena da série "Encontros Extraterrestres"

Uma docussérie nova que me prendeu foi Encontros Extraterrestres (2023), parceria Vice e Netflix, de quatro episódios. Ela abre fazendo suspense e um pouco de sensacionalismo, mas depois começa a apresentar também as experiências de um ponto de vista mais subjetivo, em que aliens são um tipo de evolução do antigo folclore celta, por exemplo, ou um preenchimento moderno para o vácuo espiritual ou existencial.

Também aborda um aspecto tocante, dando voz ao trauma de pessoas que não apenas jamais eram escutadas — nem pelos pais ou cônjuges — mas também sofriam ridicularização e agressão ao falarem dessa experiência chocante.

Independentemente de qual for a verdadeira natureza desse encontro, isso é algo praticamente universal entre humanos e até bastante antigo, como mostra a série. Gostei especialmente da história de John Mack, psiquiatra de Harvard ganhador do Nobel, que arriscou sua carreira ao ousar ouvir com seriedade centenas dessas pessoas.

Uma questão central levantada é: por que sociedades que levam a sério contato com deuses, anjos e espíritos automaticamente tratam como doentes mentais pessoas que relatam interação com FANIs (a sigla que substituiu OVNI, agora referido como "fenômeno anômalo não identificado")?

Para não desagradar nenhum segmento, a série evita tirar conclusões, mas deixa a sugestão de que o impacto subjetivo das experiências tem tanto significado quanto um "primeiro contato" de fato com inteligências de outros cantos do espaço.

O que me incomodou um pouco foi a ausência de menção, nos relatos de encontros em que a pessoa fica paralisada na cama, sobre a paralisia do sono. Há dois testemunhos do tipo no documentário e parece que os produtores fingem não conhecer essa explicação.

Passei por isso algumas vezes. A experiência parece intensamente real e aterrorizante porque as visões são muito diferentes de um sonho, mas basicamente são pesadelos acordados.

Projeção da mente

O que mais gostei em Encontros Extraterrestres foi a empatia com a humanidade da experiência. Identifiquei-me especialmente porque costumava ter alucinações com alienígenas sob o efeito de drogas, quando adolescente. Depois, ao passar a usar psicodélicos com uma motivação mais metafísica e séria, a coisa também evoluiu, agora com toda uma dimensão cosmológica.

Encontros com seres que aparentam não ser terrestres são um dos temas mais comuns de visões psicodélicas 1. Comigo acontecia tanto que passei a nem dar tanta atenção.

Exemplo de visão psicodélica
Imagem: salviadroid.com

É esclarecedora a opinião de Carl Jung, um dos pais da psicanálise. Em Um mito moderno sobre coisas vistas no céu (1957), sem especular sobre a realidade ou falsidade externas do fenômeno, ele interpreta essa visão como um símbolo do "Self" — que promete uma unificação psíquica em que a personalidade se torna completa — adaptado à era tecnológica. Para pessoas com inclinação espiritual, tal símbolo costuma aparecer em formato religioso.

Para mim, na época, se eu fosse encontrar um símbolo desse tipo — tanto faz se em sonhos, alucinações ou avistamentos no céu — figuras como Jesus, Iemanjá ou algum "espírito de sabedoria" não teriam apelo. Como me formei num contexto cultural que valoriza a ciência, a única imagem que me traria algum insight transcendental seria algo como um ser cósmico mais evoluído.

Já que a linguagem da mente se baseia em imagens no nível mais fundamental, essa forma alienígena estava apenas preenchendo uma aspiração profunda do tipo cosmo-existencial ou espiritual. Gradualmente fui absorvendo isso, e encontros psicodélicos desse tipo foram rareando até sumir.

Mas, de vez em quando, ainda dão um alô.🍄️👽️


Atualização: Lendo um ótimo artigo não diretamente relacionado, sobre o livro Aniquilação, de Jeff Vandermeer, me deparei com esse trecho:

A religião, mesmo falha do modo como é, em alguns pontos ao longo da história tem oferecido uma linguagem para descrever o Primeiro Contato com o desconhecido. Na ausência de uma abordagem mística para lidar com o mistério, a análise contemporânea tende a terminar na psiquiatria.


  1. Fiquei sabendo depois que John Mack, o psiquiatra citado, se interessou por esse tipo de encontro porque ele mesmo vivenciou isso em experiências de alteração da consciência.