Bem no final do ano, chegou ao fim uma série limitada (sete episódios) excepcional, talvez a melhor de 2023: Assassinato no Fim do Mundo (Murder At The End Of The World, FX/Disney).
É muito mais do que uma história do tipo "quem matou o convidado?" — resumo informado nas sinopses. Comecei a ver para testar essa afirmação, já que esse gênero policial não me diz muito. Fui capturado já no primeiro episódio.
Mistério se funde com outros dois gêneros: ficção científica e romance; versando bastante também sobre resistência feminina, colapso socioambiental, hacking, inteligência artificial e dominação por bilionários.
O fim do mundo é tanto o cenário físico da trama, um canto inóspito da Islândia, quanto uma perspectiva para a humanidade (nada ficcional).
É impressionante como a criadora da série Brit Marling capturou o espírito destes tempos, em que paira uma desilusão desesperada com o que o mundo poderia ser, onde na realidade bilionários preparam seus bunkers anti-colapso planetário, enquanto sonham com novas geringonças tecnológicas e continuam sugando até a última gota de vida, em uma opressão tecno-oligárquica disfarçada que se torna cada vez mais explícita.
Na história, uma hacker e escritora que se dedica a desvendar casos abandonados de assassinatos é convidada para um tipo de retiro top elite, com as pessoas consideradas mais especiais pelo maior tecnobilionário do planeta. A trama principal gira em torno das mortes que irrompem ali.
O lado romance também é incrivelmente tocante — ainda mais porque não costumo ter paciência para isso na ficção. O que mais achei interessante é que a dinâmica padrão de casais na tela é invertida.
Geralmente há um herói ou heroína, talvez atormentada, amparada por uma pessoa parceira fantástica e fascinante, mas que é mero "apoio". Em Assassinato no Fim do Mundo, o parceiro é o apaixonante artista-ativista Bill FANGS, que parece mais interessante e profundo do que a própria protagonista, atuando como um tipo de consciência reprimida da heroína (ou talvez da própria humanidade), em uma união praticamente arquetípica. Ela tem traços que costumam ser imaginados como masculinos; e ele, um coração (geralmente identificado como) feminino.
Outra qualidade da série é o modo mais realista como a IA é retratada, fugindo da singularidade que já está se tornando clichê. Em vez de um novo tipo de consciência ou vida, essa tecnologia é meramente um espelho autômato, ou um inconsciente coletivo, da humanidade.
Alice Braga também está ótima, como sempre. A brasileira é uma atriz que parece escolher muito bem seus papeis.
A criadora Brit Marling, que também atua, fez uma série cult que queria ver há um tempo, The OA (Netflix, 2016), mas foi cancelada após a 2ª temporada.
Onde ver: Star+, Stremio….