The Philosophy of Hope — Beatitude in Spinoza (2023), de Alexander Douglas, analisa a filosofia do holandês Spinoza (séc. 17) como uma concepção da existência que traz contentamento absoluto.
Apesar de ser mais acessível que o livro médio de filosofia — especialmente sobre Spinoza, que costuma render complexidade exponencial — ainda é voltado para quem já tem familiaridade com filosofia e esse autor.
Para mim não foi tanto problema, pois Spinoza é meu filósofo favorito, mas pode ser desafiador como introdução a esse pensamento.
(Escrevi porque gosto dessa filosofia como uma ética 100% laica, onde a transcendência é imanente (já está aqui e agora) em O deus de SpinozaO deus de Spinoza
Eu acredito no deus de Spinoza, que se revela na harmonia legítima do mundo, e não em um deus que se preocupa com o destino e os atos da humanidade. Albert Eisntein, em carta ao rabino Herbert Goldstein (1929). Tinha…. Outro texto que menciona bastante as ideias de Spinoza é Há verdade em revelações psicodélicas?Há verdade em revelações psicodélicas?
Ateísmo e agnosticismo parecem estar mais presentes na atual renascença psicodélica. É algo bastante bem-vindo, já que esse universo sempre foi influenciado — ou até dominado — pelos mais variados tipos de crenças. São comuns relatos de encontros ou união….)
Douglas enfatiza o caminho da "beatitude" de Spinoza, algo que na obra seminal Ética não recebe apresentação muito detalhada e explícita, apesar de ser um ponto central.
Beatitude (do latim "beatitudo") é uma palavra associada ao cristianismo, significando "felicidade espiritual". Antes, significava apenas "felicidade". Em Spinoza, ela denota um contentamento extraordinário, resultante da compreensão plena de si e do cosmos.
O livro ajudou para aumentar minha apreciação por Spinoza. Gosto de ler repetidamente sobre assuntos preferidos pois isso cristaliza o entendimento.
The Philosophy of Hope analisa exaustivamente alguns pontos difíceis, como a ideia de "Deus ou Natureza" como sendo ao mesmo tempo tudo o que existe e um tipo de substância (a única que há) da qual todos os fenômenos são apenas modos.
Ele também demonstra as semelhanças entre o pensamento de Spinoza e o taoísmo, apesar de o filósofo não ter tido contato com essa filosofia oriental, em que, igualmente, no lugar de um deus todo poderoso, há apenas o universo interconectado em suas expressões. A harmonia e fluxo natural residem em não ir contra a realidade ou natureza.
Como o capítulo final do livro é relativamente acessível e bem representativo, reproduzo uma tradução abaixo.
O texto pode soar bem religioso. Não é. Os elementos comuns são algumas palavras como Deus, queda, pecado etc. Mas elas têm sentidos diferentes. O Deus de Spinoza é basicamente todo o universo (conhecido e desconhecido).
Já sobre a palavra "pecado", apesar de estar inseparavelmente atrelada ao cristianismo, seu sentido de "transgressão da lei divina" também poderia ter alguma aplicação em Spinoza, como algo que contraria a ética que se desdobra da compreensão da realidade — talvez seja por isso que Spinoza a usa.
As ênfases em itálico são do autor.
A esperança da filosofia
Trecho do livro "The Philosophy of Hope" (2023), de Alexander Douglas
(Tempo de leitura: 9 min)
Começamos com a questão filosófica da esperança, esperança de algo tão extremo que somente um filósofo poderia considerar: a esperança de felicidade perfeita, satisfação plena ou beatitude. Há dificuldades conceituais para entender o que poderia significar estar perfeitamente satisfeito. Mas o que transfere a beatitude para um mundo além, na tradição cristã, é o fato de que a satisfação perfeita — a menos que fosse certa e eterna — não poderia expulsar o medo de sua própria possível perda.
E como a satisfação certa e eterna poderia ser desfrutada por criaturas transitórias em um mundo imprevisível e imperfeito como o nosso?
O cristianismo mantém a esperança de que a beatitude, em um mundo ou vida além, pode ser garantida nesta vida. Nesta vida, entretanto, estamos impedidos de alcançá-la por causa da condição conhecida como a Queda. Às vezes, a esperança aparece como uma lembrança de um estado que desfrutávamos antes da Queda. De fato, o sentimento de que a esperança de beatitude é mais do que apenas uma esperança — de que é também uma lembrança tênue e atávica de uma condição da qual caímos — pode evitar que ela pareça um mero sonho.
A teoria da beatitude de Spinoza, argumentei, mantém boa parte dessa estrutura.
Ele também acredita que somos impedidos de alcançar a beatitude por nossa condição decaída. Mas, em vez do pensamento cristão (ou, mais precisamente, agostiniano) de que, se escaparmos da Queda nesta vida, seremos recompensados com a beatitude em outra, Spinoza identifica a beatitude e a saída. A beatitude — em sua versão — é a fuga do pecado e da morte, e ocorre nesta vida. Alcançá-la não é apenas deixar de temer a morte; é nunca morrer. A chave para entender como isso é possível é extremamente simples, embora, no meu caso, tenha sido necessário um encontro com o Zhuangzi para ver isso claramente. Morrer não é tornar-se nada. É deixar de ser o que você é. Mas se você for definido de forma expansiva — se não houver nada que você não seja — então você não pode morrer.
Esse estado é beatitude, porque também significa que você não pode ficar insatisfeito. Nascemos com desejos furiosos — não apenas de ter e consumir, mas, mais fundamentalmente, de ser. Nossos desejos se abrem como pétalas ao redor do pistilo de nosso ser — daquilo que pensamos ser. Como desejamos crescer e mudar, a ideia motriz de nosso ser deve ser de um ser aspiracional, não de nosso ser atual. Ou seja, deve ser a ideia de um modelo. Como normalmente extraímos nossos modelos do primeiro tipo de cognição — experiência e imaginação — nossas interações sociais nos levam à flutuação do espírito. Acabamos querendo ser como nossos modelos e ao mesmo tempo diferentes deles, desejando e detestando a aprovação da multidão, invejando e evitando os mesmos indivíduos. Essas dinâmicas conflitantes de "glória vazia", embora levem a um vazio espiritual, sustentam nossos sistemas sociais. Sem o desejo desesperado de aprovação, não haveria vergonha, e sem vergonha — o medo de ser considerado tolo — não haveria chance de manter a conformidade com as normas por meio da pressão social e do julgamento moral.
E, no entanto, estar sujeito a tudo isso é a própria condição da Queda, da qual a beatitude é a saída definitiva. A pessoa beatífica não busca um ser determinado.
Seu ser emula o ser superdeterminado de Deus, expresso em toda e qualquer forma que possa assumir. O que guia seus movimentos pelo mundo é um tipo de espontaneidade tão difícil de descrever que os filósofos daoistas recorrem a chamá-la de "não-ação", wuwei 無為. A pessoa beatífica não vê os outros nem como rivais a serem derrotados nem como modelos a serem imitados, mas apenas como expressões diferenciadas do mesmo ser superdeterminado que ela. Essa é uma condição de amor e glória levadas à perfeição.
Embora normalmente o amor aponte para fora e a glória aponte para dentro, em suas versões perfeitas e beatíficas eles convergem. O "exterior" e o "interior" — o eu e o não-eu — tornam-se identificados no ser superdeterminado da pessoa beatífica. Esse amor-glória também escapa da moralidade, não para um antinomianismo [NT: oposição à moral] brutal, mas para uma união fragmentada de perspectivas morais: o eixo do caminho, ou dao shu 道樞.
Tentei mostrar que vale a pena ansiar por isso. Parece-me que todos nós estamos muito envolvidos com ideias sobre nós mesmos, mesmo quando não queremos admitir isso. Sempre queremos ser de certas maneiras — as maneiras ideais. Sem nunca ter certeza de que estamos no caminho certo, sempre precisamos que os outros nos afirmem isso, embora, no final das contas, eles nunca consigam realmente fazê-lo. O Joseph Garcin, de Sartre, estava errado. O inferno não são os outros. O Edward Chamberlayne, de T.S. Eliot, estava certo. O inferno é você mesmo. Mais precisamente, é o eu que você sempre busca, mas nunca consegue alcançar. O céu é o que você poderia ter se simplesmente parasse de tentar ter um eu — ou qualquer eu mais específico do que Deus em sua superdeterminância. A beatitude poderia ser realmente tão fácil? Fácil de dizer, acho que Spinoza responderia.
Em última análise, a esperança que a filosofia pode oferecer é apenas conceitual. Ela nos permite saber o que pode ser pensado. Para saber o que pode ser feito, temos que tentar.
No Prefácio, mencionei um workshop no qual todos os participantes rejeitaram o cultivo da esperança como meta da filosofia. Eu me referia a todos os participantes além de mim. Ofereci um comentário sobre a seguinte passagem de McTaggart:
… a utilidade da filosofia não está em ser mais profunda do que a ciência, mas em ser mais verdadeira do que a teologia — não em sua relação com a ação, mas em sua relação com a religião. Ela não nos dá orientação. Ela nos dá esperança1 …
Este livro foi uma explicação de como Spinoza usou a filosofia exatamente dessa maneira: para dar conteúdo a uma esperança extraordinária — a esperança da beatitude. Sua beatitude não vem de um mundo ou vida além do visível. Ela vem de uma relação diferente com a vida e o mundo que conhecemos.
A ideia de que a filosofia visa à esperança é impopular na filosofia acadêmica — ou seja, na filosofia impopular. Mas continua popular na filosofia popular. Luc Ferry, por exemplo, apresenta a filosofia como sendo principalmente a busca não religiosa pela salvação da morte. "Morte", ele se apressa em acrescentar, não significa apenas o fim da vida; significa:
… tudo o que é irrepetível. A morte é, no meio da vida, aquilo que não voltará; aquilo que pertence irreversivelmente ao passado, que não temos esperança de recuperar. Pode significar as férias da infância com os amigos, o divórcio dos pais, ou as casas ou escolas que temos de deixar, ou milhares de outros exemplos; mesmo que nem sempre signifique o desaparecimento de um ente querido, tudo o que vem com o rótulo de "Nunca mais" pertence ao registro da morte2 …
A morte, nesse sentido, é a maior fonte de tristeza e tragédia na maioria de nossas vidas. A beatitude de Spinoza é oferecida como um remédio completo. Se você alcançasse a beatitude spinozista, não perceberia nenhuma morte ou perda (embora, como mencionado, esse não seja o único propósito de se buscar a beatitude). Você não se identificaria com um tema presente de luto e nostalgia, assim como não se identificaria com um tema passado de acolhimento e proximidade. Você estaria tanto aqui e agora quanto lá e depois, imune à passagem do tempo. O que você sente atualmente como perda apareceria para você, após a beatitude, como parte da interminável continuação-através-da-transformação de um ser eterno e superdeterminado. A morte seria substituída por um mero sono na enorme casa — a contenção nos atributos de Deus. O amor intelectual conectaria você a tudo. E você não perderia nada.
Pessoalmente, estou muito longe dessa condição. Como a maioria das pessoas, eu me pergunto quem sou e persigo ideias sobre mim mesmo. Estou inclinado a imitar exemplos atraentes e, embora muitas vezes tenha vergonha de me permitir ver isso, sonho com a admiração dos outros. Parece que não consigo evitar isso. Por esse hábito, se a análise de Spinoza estiver correta, estou preso no mundo sub specie durationis [NT: sob o aspecto do tempo] e condenado a sentir suas transformações como dores de perdas passadas e medos de perdas futuras. Devo viver sob a sombra da morte e do pecado — apego a um eu limitado e o risco permanente de conflito com os outros. O que Spinoza oferece é uma possível saída disso. A ação de fato é deixada para nós decidirmos.
Mas a possibilidade é um começo. Neste livro, começamos achando difícil ver como a beatitude poderia ser concebível. Terminamos com uma possibilidade concreta.
As coisas parecem promissoras.