Anticapitalismo e pós-capitalismo

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Linkei o artigo abaixo outro dia. Segue agora uma tradução.

É do economista Umair Haque, que acompanho. Não leio tudo dele porque é tão realisticamente pessimista que deprime. Mas esse texto é sobre sua visão do pós-capitalismo.

Particularmente, não partilho da visão de que o capitalismo precisa ser reformado. Precisa é que o abandonemos para morrer, abrindo espaço para alternativas melhores.

No entanto, uma pergunta interessante é: se um possível pós-capitalismo não mais se apoia em desigualdade brutal para o benefício exclusivo de uma minúscula minoria privilegiada, ele poderia ser classificado como um tipo de capitalismo?

Provavelmente não. Então o uso da palavra "capitalismo" seguida de "pós" acaba sendo, de certa forma, apenas um meio para não criar muito pânico.

O texto também demonstra bem como o anticapitalismo não é nada demais, sendo apenas uma consequência factual da observação, e nem exige nenhum "socialismo".


O que significa quando critico o capitalismo

Umair Haque

Publicado em the issue, 2023.12.13

leitura: 11 min.

Às vezes, tenho problemas por… ser crítico. Do capitalismo. Portanto, deixe-me por um instante esclarecer alguns conceitos enganados.

Usaremos o exemplo do recente acordo firmado na COP 28 — a conferência sobre mudança climática — em relação à "transição para longe" dos combustíveis fósseis. Falaremos sobre a necessidade de superar as dicotomias cansativas do passado e como criar o futuro.

E, a propósito, há uma pequena postagem de introdução (OK, uma longa!) que escrevi no Medium para acompanhar isto; é mais para leitores novos, mas seja bem-vinda para mergulhar nela também.

Agora. Quando alguém critica o capitalismo, isso ainda é visto como uma espécie de postura "radical". Porque isso "significa" que você "deve" ser um "socialista". As duas únicas opções, certo?

Inserir rolar de olhos. Podemos cair na real, por favor? Estamos em 1884? 1972? Atualmente, o capitalismo não tem exatamente uma reputação muito boa. Menos da metade dos jovens o vê com bons olhos e, é claro, isso se deve ao fato de suas vidas estarem atualmente em algum lugar entre "destruídas" e "devastadas".

Em uma época de policrise, perguntar "isso está funcionando?" não envolve exatamente uma revolução selvagem. Portanto, atualmente, criticar o capitalismo dificilmente é um tipo de posição radical em um contexto meramente de primeira impressão; no sentido de "afinal o que as pessoas realmente pensam disso?". Dificilmente também isso deveria ser radical em outro sentido, que é o sentido objetivo, o sentido factual.

Então. Sou um "capitalista" ou um "socialista"? Nenhum dos dois. Não apenas porque… pelo amor… eu não desejaria me definir com essas palavras. Mas porque estamos vendo o nascimento do que chamarei por enquanto de "pós-capitalismo", para simplificar. Vou explicá-lo a você, tendo desempenhado um pequeno papel em sua criação, na reinvenção do mundo do marketing e dos negócios em torno dele.

Mas antes de chegarmos lá, deixe-me esclarecer alguns termos.

O que quero simplesmente dizer com capitalismo? Isso é apenas uma maneira de falar mal das Grandes Empresas (Big Business)? Para impedir que alguém seja dono de um bar? É sobre dinheiro?

Veja bem, americanos em particular passaram por um tipo de processo de fusão da identidade com o capitalismo — o termo antigo para isso era "falsa consciência". Eles tendem a ver as críticas ao capitalismo como um ataque pessoal.

Não é, porque obviamente a pessoa comum é apenas uma trabalhadora que ganha um salário, e apenas uma fração muito pequena se assemelha a uma classe capitalista, que obtém renda do capital. Portanto, o capitalismo não se refere a nenhuma pessoa em particular, nem mesmo a classes, no sentido antigo, na verdade.

Do que se trata? Quando uso o termo, faço-o da mesma forma que sociólogos e economistas clássicos faziam. Para designar sistemas e instituições. Portanto, não se refere ao açougueiro, ao padeiro, ao cervejeiro — isso é apenas o comércio cotidiano, que existia muito antes do capitalismo propriamente dito, mesmo na antiguidade.

Tampouco se refere a Grandes Empresas — porque aí vemos o nascimento, em alguns lugares, do pós-capitalismo: diversas Empresas Muito Grandes estão se esforçando muito nas frentes de sustentabilidade e equidade, investindo somas colossais, mas se veem obrigadas a lutar contra o sistema para fazer isso, o que é engraçado e irônico, de certa forma.

Contra qual sistema elas estão lutando? Deixando de lado a maquiagem verde (greenwashing), e voltaremos a esse assunto, é contra aquele que diz que o único objetivo da existência humana é o lucro máximo, obtido neste nanossegundo, para o benefício de algum grupo ilusório de acionistas, e isso tudo é somado ao "crescimento" de uma coisa chamada "PIB".

Como esse sistema está se saindo como uma economia? É… OK… meramente fazer essa pergunta? Quero dizer… não deveríamos desejar saber isso?

Os fatos — lembram-se de quando eu disse que voltaríamos a eles? — mostram que ele está se saindo de forma catastrófica. Discuti muitas estatísticas sobre isso recentemente, mas deixe-me compartilhar com você apenas algumas delas.

A maioria dos americanos tem "fluxo de caixa negativo". 70% das pessoas se sentem financeiramente traumatizadas. Pessoas jovens estão "completamente sobrecarregadas", "entorpecidas" e "não conseguem funcionar". Geração após geração têm encarado uma mobilidade social descendente, há décadas.

Esses são fatos. Agora, acontece uma coisa engraçada. Afirmar esses fatos é pintado novamente como algo "radical". Acho que isso é ridículo e absurdo. Fatos são fatos. É perfeitamente razoável querer avaliar um sistema de economia política, seja ele qual for, e analisar os fatos.

Os fatos, nesse caso, são… terríveis. Eu poderia continuar com eles — a porcentagem de americanos que lutam com "dívidas médicas" ou "dívidas estudantis". Os fatos pintam um quadro de um sistema que implora por uma reflexão crítica.

Agora. Se os fatos fossem cor-de-rosa, eu adoraria informar que, de fato, o capitalismo estaria indo incrivelmente bem e que, na verdade, pareceria que resolvemos um dos grandes problemas da humanidade, que é como organizar uma economia política.

Era aquela teoria. Lembram-se daquela época? Essa era a noção central no coração do Fim da História de Fukuyama, que se tornou a base do que mais tarde foi chamado de "Consenso de Washington". O capitalismo proporcionaria prosperidade, e a democracia assim varreria o mundo.

Agora, olhe para o mundo hoje. O que você vê? A democracia não varreu-o: ela está sofrendo um recuo íngreme, claro e atordoante. A Freedom House, que é uma das organizações que faz a análise mais confiável do assunto no mundo, encontrou 15 anos de declínios sólidos, que agora estão se acelerando a ponto de os Estados Unidos estarem prontos para talvez aceitar o que até mesmo o Washington Post chama de "Ditadura Trump". A história não acabou. A teoria estava incorreta.

É por isso que precisamos analisar os fatos. Eles exigem uma avaliação crítica do capitalismo. Novamente, isso não significa o que muitas pessoas, especialmente certos tipos de americanos, podem imaginar que significa. Que eu ou qualquer outra pessoa esteja dizendo que ninguém deveria ter permissão para ser dono de uma lavanderia-a-seco ou uma casa. Ou que exista apenas uma dicotomia de economia política, que é o capitalismo americano versus o socialismo venezuelano — o que definitivamente não é o caso.

Esse ponto, de que o capitalismo precisa de uma avaliação crítica, deve ser entendido de uma forma mais sutil e adulta do que tudo isso.

Que tipo de sistema devemos ter para atender a essa necessidade de ter uma economia política que funcione, se o capitalismo — lucro, privatização, abstração, hiperfinanciamento — resultou em níveis de desigualdade, desespero, privação e empobrecimento que levaram até mesmo os americanos a ultrapassarem o ponto de ruptura (ou seja, a maioria agora parece estar perpetuamente falida)?

Podemos realmente dizer que um sistema que deixou a maioria das pessoas endividadas, também conhecido como "fluxo de caixa negativo", está funcionando? Funcionando como um sistema (e não apenas para as elites que estão em seu próprio topo)?

Ah, agora chegamos à pergunta mais inteligente. Afinal, o que queremos de uma economia? Queremos bem-estar, acima de tudo. Bem-estar financeiro, que é segurança e estabilidade. Bem-estar social, emocional, comunitário, em termos de saúde e longevidade — o bem-estar tem muitas dimensões, e é fácil ver como o foco unidimensional do capitalismo no lucro máximo acima de tudo não combina com tudo isso.

Então. Vamos pensar agora sobre o acordo alcançado na COP 28. É bom? Ruim? O que aconteceu foi que, depois de muito rancor e barulho, um grande número de nações, não todas, concordou em fazer a "transição para longe" dos combustíveis fósseis. Esse compromisso não é vinculativo, embora esteja vinculado a um determinado conjunto de metas. Não vou aborrecê-lo com os detalhes — isso é o suficiente para começarmos a pensar.

É bom o suficiente? Veja bem, agora que pensamos criticamente sobre o capitalismo, estamos em uma posição melhor para entender o acordo. O que realmente precisamos, se quisermos progredir, não são apenas promessas de não vinculação e um acordo geral para fazer a "transição para longe" — com lacunas em abundância. Mas não é que seja ruim, é um acordo afinal. Só que não é realmente uma transformação nos termos de sistemas e instituições que já discutimos.

Então, como seria essa mudança? Bom, para começar, precisaríamos de um PIB Verde, porque, lembre-se, o objetivo de tudo no capitalismo é aumentar o "crescimento" do PIB. Mas, é claro, todos sabemos que coisas como carbono, poluição e assim por diante nos custam muito caro agora, mas ainda não são contabilizadas; nem a desinformação, o estresse, a ansiedade ou a miséria.

Houve um PIB Verde revelado na COP? Não. Mas não se preocupe, eu já criei um e o revelaremos em breve — ele mostra que a economia está basicamente em território zero ou negativo e que não há nenhum "crescimento" real, uma vez que você subtrai os custos da mudança climática.

Por que deveríamos construir isso? Por que eu digo que isso é necessário? Porque só então poderemos realmente começar a entender coisas como: o que a economia realmente é.

Aqui está outro pequeno cálculo que fiz e que revelaremos em breve: em termos da próxima geração, como a do PIB Verde, muitos dos maiores atores econômicos do mundo estão efetivamente gerando muito, muito menos do que supõem. Em termos reais, depois que ajustamos todos esses custos reais, a economia parece muito, muito diferente.

Ela se parece mais com o que as pessoas estão vivenciando, ou seja, que a situação é terrível e que é uma luta amarga e brutal apenas para sobreviver. Agora, nossa imagem do que é a economia e o que as pessoas sentem combinam melhor.

É a isso que uma avaliação crítica deve levar — a um ajuste mais preciso, ou congruência, entre a experiência vivida e as estatísticas. E quando fazemos tudo isso, é fácil ver que não, esse sistema não está nem perto de maximizar o bem-estar — de muitos modos, ele o está minimizando. E você pode ver isso nas inúmeras crises que agora nos afligem, desde as crises da alma — suicídio, solidão, desespero—, até as da mente — ansiedade, depressão, infelicidade —, até as da sociedade — divisão, rancor, pessimismo —, e assim por diante.

Agora que fomos um pouco críticos, em outras palavras, podemos realmente pensar e entender melhor.

Então, que tipo de economia política é essa sobre a qual falei um pouco? Não é o capitalismo. Também não é realmente "socialismo", e essa dicotomia acabou. Veja bem, o que aprendemos no último meio século é que nenhum desses sistemas funciona, em termos extremos e polarizados.

Agora estamos discutindo o pós-capitalismo. O que isso significa? É uma economia política em que os custos e benefícios reais são contabilizados de forma mais precisa, e você não pode simplesmente ganhar um bilhão de dólares derretendo o planeta, ou vendendo pura desinformação, ou inserindo qualquer custo calamitoso oculto que desejar.

É um no qual temos sistemas — chamamos hoje de Contabilidade Nacional — que estão atualizados para o século XXI, assim como os resultados corporativos e organizacionais, o que, obviamente, afeta a cultura, a visão, as atitudes e as possibilidades. E seu foco central é maximizar o bem-estar.

E quando isso é feito, emerge o terreno para novos contratos sociais. Então há mais para investir nas coisas que as sociedades e nossa civilização como um todo precisam desesperadamente, desde sistemas de próxima geração até os universais, como educação e saúde, até a proteção da natureza e do futuro.

Do modo como semeamos, assim colhemos, e nossa amarga colheita atual é o resultado de não termos investido o suficiente durante décadas. A propósito, nesse sistema, não temos, ou temos muito menos, esse problema crescente de dívidas, que aflige tanto as nações quanto as pessoas, porque, é claro, não estamos no carrossel de números fabricados que, para começar, não fazem sentido algum.

Então. Essa é uma pequena amostra do pós-capitalismo. O que é isso, em termos mais amplos? É uma forma de economia política que, falando novamente, maximiza o bem-estar.

Pense, por um momento, em como você está se saindo hoje em termos de bem-estar. Os números são cataclísmicos quando eu os vejo, e se a sua vida é um reflexo disso, você provavelmente sente muito sofrimento, de várias formas, e tudo isso é bem-estar reduzido, seja ele refletido em humor depressivo, tensões sociais, solidão, problemas de saúde, desespero para pagar as contas, entre outros. O pós-capitalismo trata de tudo isso.

Isso é um pouco do que significa minha crítica ao capitalismo. É claro que sou crítico em relação a ele — praticamente todo mundo com menos de 45 anos de idade é — alô, ser crítico em relação ao capitalismo é mais popular do que a Kim Kardashian.

Há uma razão para isso, que é o fato de os números serem sombrios e refletirem um sistema que pode estar proporcionando o que "supostamente" deveria, que é o lucro máximo, mas apenas, cada vez mais aparentemente, às custas do bem-estar nos níveis mais amplos, e até do próprio planeta.

Agora, ser crítico em relação a isso não deveria ser algo radical a esta altura. É apenas factual. Tampouco faz de alguém um "esquerdista" ou algum tipo de revolucionário socialista. Muito pelo contrário. Estamos quebrando uma dicotomia, não a perpetuando, se pensarmos bem.

Ao nosso redor, vemos agora indícios do pós-capitalismo. Eles estão lutando para nascer. Muitas salas de diretoria concordarão com tudo o que tenho a dizer, e ajudei a transformar mais de algumas delas em organizações pós-capitalistas. E, no entanto, até mesmo elas lutam contra o próprio sistema.

Longe de ser radical, o nascimento do pós-capitalismo é agora algo de que até mesmo as Grandes Empresas estão cientes e sabem que precisa acontecer, pelo menos o seu lado mais esclarecido, e é por isso que elas estão correndo na frente e tentando fazer com que parte disso aconteça.

Em suas extremidades de vanguarda, isso está em tudo, desde reimaginações da urbanidade e da arquitetura até novas maneiras de interagir e se relacionar, novas formas de consumo e produção, até coisas simples, como a forma engraçada com que a Geração Z mostra um desprezo que enfraquece as "marcas".

Essa luta, no entanto, não pode ser vencida nem mesmo por algo tão poderoso como as grandes empresas esclarecidas, muito menos por meio dos tipos de guerras de classe distorcidas em que nossa política se degenerou.

Pense novamente na COP 28. E o elo perdido do PIB Verde. Esses tipos de transformações precisam acontecer para que nossas economias voltem a ser saudáveis e, ainda assim, não conseguem acontecer nem mesmo em nossos maiores fóruns, como a COP 28.

Portanto, ainda temos um longo caminho a percorrer em termos da criação dos tipos de instituições e estruturas que podem fazer com que essas mudanças aconteçam.

As salas de reuniões, mesmo as mais poderosas, não conseguem; a COP, uma conferência com dezenas de milhares de pessoas, não consegue. Então quem pode? A verdade é que precisaremos criar esses sistemas e instituições. Isso também faz parte da transformação, não apenas dos resultados.

Portanto, estamos falando de uma verdadeira mudança de paradigma. Em todas essas formas. No nível da pessoa comum e do especialista que a desinforma, sem cair meramente na velha dicotomia tola de "se não é capitalismo, deve ser socialismo!"

Em nível de nações, é abraçar a transformação genuína nos termos sobre para que servem as economias. Em nível civilizacional, é reconstruir de fato nossas instituições mais fundamentais, seja o PIB, os mercados ou as formas como medimos a dívida e a renda, e até mesmo o próprio dinheiro.

Essas tarefas são imensas. Elas não acontecerão da noite para o dia. Mas a transformação para o pós-capitalismo é real e está na mente de muitas pessoas hoje em dia, desde os CEOs mais visionários do mundo até os economistas e políticos mais inteligentes do globo — mesmo que ainda seja tolamente pintada como "radical" por uma mídia que provoca desânimo.

A questão é se isso acontecerá — em quantidade suficiente — antes que a janela se feche. Essa janela está se estreitando a cada dia. Ela é composta de muitas coisas, desde a mudança climática até a desigualdade, o declínio democrático e a pura ansiedade e angústia que as pessoas sentem atualmente.

Falaremos mais sobre isso também. Por enquanto, achei importante esclarecer algumas coisas, portanto, espero que isso tenha lhe dado bastante o que pensar. Pensando bem? Não se trata das dicotomias cansativas de ontem, que estão falhando ao nosso redor, mas de criar o futuro, enquanto ainda podemos.