Muita gente diz que gostaria de ler mais livros. Desconfio que aquilo que realmente desejam são os benefícios atribuídos à leitura, como mais conhecimento, aprimorar a escrita, articular melhor ideias etc. E não tanto o processo de sentar, abrir um livro e ler — isso seria a parte chata.
Talvez seja por isso que não leem. Na verdade, não gostam de ler. Se gostassem, leriam. Para ler mais, é preciso gostar mais. Isso é tão óbvio que some de vista.
A pergunta então é: como gostar mais?
Já me perguntaram várias vezes como faço para ler tanto. Leio porque adoro. Pra mim, veio naturalmente. Mas nada impede que seja um gosto deliberadamente cultivado.
Na verdade, não posso confirmar os benefícios da leitura porque não tenho como comparar com um tempo em que não lia. Comecei a ler bastante com 15 anos. Fazer uma comparação com minha mente juvenil antes disso não teria sentido, já que houve muitos outros fatores de transformação. Mas posso dizer como passei a gostar de ler.
Antes de buscar livros por mim mesmo, comecei a tomar gosto com uns 12 anos. Tinha aqueles livros da escola, da Coleção Vaga-Lume. Lia não apenas os obrigatórios, mas pegava outros com capas legais1. Sentia que eram divertidos e imersivos como filmes. Entrava mesmo nas histórias.
Com 15 anos, na seção de cultura do jornal, descobri o escritor Stephen King em uma resenha de algum filme de terror, que me atraiu com uma foto macabra.
Aí a porteira abriu de vez. Além do horror que me fascinava — psicopatas, mortos vivos, maldições, paranormalidade, fúria alucinada —, tinha álcool, palavrão, rock, até um pouco de sexo. Casava bem com minha rebeldia adolescente.
Lia um livro atrás do outro, chegando a consumir boa parte da coleção de terror da editora Francisco Alves que, na época, publicava King, Lovecraft, Poe etc.
Minha mãe pagava feliz esses livros — “grossos, sem foto!” — jamais imaginando que eu estava lendo descrições minuciosas de possessões demoníacas ou cadáveres decepados.
Essa fase passou. Veio a da ficção científica, e também passei a me deliciar com qualquer livro bom.
Não era exatamente nenhum conhecimento ou benefício que buscava. Simplesmente adorava a experiência de mergulhar numa história fascinante.
Todo mundo ama algum tema. Caso pegue um livro realmente bom desse tema, vai ser difícil não gostar da experiência. Pra mim, o gosto excepcional veio inicialmente pela leitura exclusiva daquilo que adorava.
O hábito criou raízes firmes e hoje consigo até, com alguma persistência, ler livros chatos mas importantes. Sem um hábito e familiarização bem cultivados, acho que fazer isso é uma das experiências mais entediantes possíveis.
Cultivar esse gosto, inicialmente, também não é algo totalmente sem esforço, que segue apenas a direção do prazer e conforto fáceis. Se abandonar livros nos primeiros sinais de tédio ou estranhamento com o formato, será criado e cultivado esse hábito de desistir rápida e facilmente. Em vez de gosto, será fortalecida uma aversão por livros.
Percebi isso quando comecei a ler em inglês. Queria muito ler Hunter Thompson mas, na época, não tinha nada traduzido. Então, com um dicionário e inglês bem básico, enfrentei no original. Era horrível ter que procurar no dicionário a cada 15 palavras.
Mas o conteúdo que ia se revelando era fascinante. A frequência de consulta ao dicionário foi diminuindo e a diversão, aumentando. No próximo livro em inglês, a coisa já fluiu bem melhor. E assim por diante.
Resumindo, se quiser ler mais, tente se concentrar apenas em livros excelentes (bem recomendados) sobre coisas que você ama, sem outras expectativas. Não costuma terminar bem a história de imaginar que precisa ler aquela obra essencial, clássica ou revolucionária que as pessoas que admiramos recomendam.
Depois de um tempo cultivando o prazer da leitura, começa a haver menos barreiras com o formato. E aí até livros mais de obrigação entram na roda.
Mas o processo não envolve só diversão. Como tudo, não funciona sem algum empenho.
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Era doido pra ler um chamado Escaravelho do Diabo, com um besourão cabuloso na capa. Mas a professora não deixou, me dizendo com aquela voz para crianças: "Acho que ainda não está na hora de você ler esse." É a única coisa que lembro dessa professora. ↩