As chamadas para o filme The Kitchen (Netflix, 2024) anunciam ficção científica com ar cyberpunk, mas é essencialmente um drama familiar em meio a intenso conflito sociopolítico racial. Nesse tema, é algo bem acima da média.
Uma comunidade de ocupação urbana resiste às violentas investidas policiais para reintegração de posse, enquanto um adolescente que perdeu a mãe busca o pai ausente.
O cenário futurista distópico ajuda a camuflar o fato de que o problema retratado é 100% atual, no sentido de evitar uma denúncia sociopolítica explícita demais, contrária ao entretenimento.
O lado de ficção científica parece se resumir a isso, ou seja, é um filme sobre política e sociedade, com tecnologia irrelevante — isso não é uma crítica, achei interessante.
A história se passa em uma Londres horrendamente dividida e desigual. Pessoas pobres, na maioria negras, se engajam em uma resistência sem esperança para não serem expulsas de suas casas. Pessoas menos pobres vivem em casulos mais "higienizados" e vedados em relação ao caos social.
Imaginar Londres assim deve ser assustador para europeus. Mas faz tempo que essa é a realidade de países pobres como o Brasil. Então uma crítica significativa do filme é que o curso da política econômica dominante aponta essencialmente para uma futura explosão da pobreza e caos social, um tipo de redistribuição da miséria — quem antes não tinha, terá.
Outra qualidade é que o filme evita clichês sobre heróis e vilões, certo e errado. Atitudes questionáveis são desmistificadas, como abandono familiar, ou a invasão e destruição de propriedades.