Alerta: espólio do último episódio
The Curse (Paramount+, 2023) é uma das melhores séries atuais, devido à sua crítica social impiedosa, quase sádica com quem assiste.
Também fiquei sem entender muito o final absurdo da temporada 1. Dei uma pesquisada sobre o que estão falando e, sim, agora faz todo sentido.
Levando em conta a alta qualidade até então, já imaginava que haveria uma boa explicação. Beira o genial, apesar de ser talvez cerebral demais.
Segue um resumo das questões mais comuns, com algumas interpretações minhas.
— Por que, do nada, a história salta para o realismo fantástico?
Porque o casal vivia fora da realidade, numa bolha (quase literal, devido à vedação da casa). Eles imaginavam que podiam simplesmente chegar com seu lucrativo projeto, bem maquiado em boas intenções, e resolver tudo com presentes e dinheiro. Fazem isso direto nos outros episódios, praticamente impondo sua mesquinha realidade.
Não percebem que estão desconectados. No final, a bolha estoura e tomam um choque de realidade. Por exemplo, admitem que no fundo odeiam aquela casa sustentável.
Até o produtor Dougie acorda para seu lado explorador doentio.
— Por que apenas Asher vai pro espaço?
Na verdade, Asher não parte totalmente.
No episódio anterior, ele fala que, caso Whitney deixasse de amá-lo, ele perceberia e sumiria automaticamente. Ela vai se impacientando cada vez mais. Ele percebe e não tem mais nada que o segure ali. Sua autoprofecia se cumpre.
Antes da inversão de gravidade, ele diz que um pedacinho dele está dentro dela. Quando já está agarrado no galho, diz que é um bebê. Seu abandono da terra é simultâneo ao nascimento do filho. No espaço, ele está em posição fetal.
Depois do parto, perguntam para a mãe se ela quer que verifiquem se o pai está por ali. Ela responde que não, já totalmente indiferente ao marido, se contentando apenas com o filho. No entanto, fica bem indicado que ele será uma continuação do pai. Ela não se livrou.
— Por que ninguém escuta ou acredita em Asher?
Nenhuma das pessoas tentando ajudar Asher leva a sério sua situação, por mais que ele implore e explique.
Ele pede uma rede para segurá-lo no solo e a bombeira apenas joga uma redinha em suas costas para ele parar de reclamar, e então corta seu suporte (talvez um tipo de cordão umbilical).
Há uma situação parecida num outro episódio, quando um quiropraxista torce o pescoço de Abshir, o imigrante pobre. Ele nem desejava estar ali e, por mais que proteste e peça para parar, o terapeuta continua, com uma atitude do tipo "sou eu quem sei, você não sabe do que está falando". Até Abshir desmaiar de dor. (Talvez não seja coincidência os nomes serem semelhantes: Abshir e Asher. Há uma cena em que os nomes são confundidos.)
Essa é a atitude do casal em relação às outras pessoas.
— O que é a maldição do título?
O uso de músicas e efeitos sonoros perturbadores e sinistros contrastam com o clima de sitcom. Sugerem que a maldição não é apenas metáfora.
Apesar da indicação de que a menina que profere a primeira maldição tem alguma paranormalidade, fica óbvio que isso é um bode expiatório para tudo que vai dando errado.
Asher chega a reconhecer isso perto do final. Mas continua criando um show em torno de suas boas ações e sendo escroto com empregados (manda demitir aos berros um que disse algo estranho).
Já o produtor Dougie, em outro episódio, se diz amaldiçoado (recusando-se a admitir que sua bebedeira matou a esposa), mas não hesita em amaldiçoar Asher, quando ele cutuca essa ferida.
Todos são incapazes de enxergar que eles mesmos são uma maldição invasora. O que acontece com Asher também não deixa de ser uma automaldição.
— Quem está ocultamente assistindo nos bastidores?
Nos primeiros episódios, há diversas cenas que parecem ser de uma câmera oculta, gravando aquilo que não deveria ser registrado. Quem está assistindo?
Não vi ninguém comentando sobre isso. Minha teoria é que somos nós espectadores.
Durante os intervalos das gravações do show, o casal às vezes fica paranoico com a possibilidade de algum microfone ou câmera estarem ligadas, capturando como eles são de verdade. Quem captura isso é a própria série.
Os criadores Nathan Fielder e Benny Safdie (que também atuam como Asher e Dougie, respectivamente) têm ampla experiência em séries e filmes. The Curse basicamente desvela o show de horror envolvido, em nome de nós espectadores.