Um violento novo filme de romance: O Amor Sangra (Love Lies Bleeding, 2024), da produtora A24, que costuma ser sinônimo de qualidade e estética independente.
Em uma decadente cidade limítrofe do Novo México, no final dos anos 80, uma fisiculturista caroneira e a filha (Kristen Stewart) de um traficante de armas (Ed Harris) iniciam uma relação explosiva.
É um filme sujo1, alucinatório e carnal, com aquela envolvente atmosfera de uma pequena história em um microcosmo de proporções míticas.
O final surreal deixou gente sem entender, mas é mais do que mero absurdo. Simboliza perfeitamente o tema da história, dando sentido aos elementos fantásticos sobre força feminina que vão crescendo durante o filme (mais sobre isso adiante).
A diretora e roteirista Rose Glass assinou outro filme que adorei, o horror Saint Maud (2019, trailer, RT), também pela A24. Virei fã.
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Spoiler: significado do final
Perto do final, os músculos de Jackie inflamam como os do Hulk e ela fica gigante. Diante disso, o vilão, até então muito ameaçador, vira um irrisório homúnculo impotente, como se sua verdadeira natureza aparecesse — algo mais humilhante do que qualquer execução mirabolante. Na cena seguinte, Lou também agigantou e o casal corre na altura das nuvens.
Revisando o filme com atenção, essa cena não é totalmente absurda, mas acaba sendo a chave para a camada psicológica do filme. Alguns itens que se conectam e explicam a cena final, conforme uma interpretação minha:
- Quando Jackie começa a tomar anabolizantes, há flashes de seus músculos inchando de modo alucinadamente anormal e instantâneo. Essas transformações surreais vão se repetindo e são elas que culminam no final.
- Quem lhe deu as drogas para isso foi Lou, ou seja, ela também é responsável pela transformação.
- Logo antes da transformação, Jackie sente os ferimentos de Lou como se fossem no corpo dela, como se as duas fossem uma só.
- Outro exemplo dessa unidade: Jackie alucina que Lou sai por sua boca como em um parto. Uma está dentro da outra.
- A unidade das duas sugere que a vitória final, em que uma nova força gigantesca derrota os inimigos, dependeu da união em que uma completa a outra.
- O prêmio de fisiculturismo com que Jackie sonhava termina em fiasco, indicando que a vitória que ela busca não depende da apreciação externa de seu corpo, mas de algo mais interno, ligado à união com Lou.
- O contraste entre as duas é muito claro. Lou é fascinada por Jackie porque ela tem as coisas que lhe faltam: força, ousadia, espírito de aventura, independência, brilho, impulsividade incontida — é quase como uma força da natureza. E vice-versa, Lou a completa com inteligência e planejamento.
- Lou estava aprisionada na academia do pai, na família doente, naquela pequena cidade decadente e em sua própria fraqueza diante de tudo. O encontro com Jackie não é apenas externo, mas preenche também o que faltava dentro dela.
- É como se Lou encontrasse sua força interior na forma de Jackie. Com isso, ela consegue vencer tudo o que a oprimia.
Mas não há final feliz. Lou não virou nenhuma heroína-modelo. Aumentando a complexidade e realismo do retrato psicológico, ela parece ter adquirido traços negativos ao soltar totalmente as rédeas do seu lado Jackie. Trata a irmã ferida de modo cruel na casa do pai. Mata a moça na carroceira friamente, muito diferente de quando se horroriza com o assassinato do cunhado antes da transformação. Passa o filme tentando parar de fumar e não consegue, outro possível sinal de fraqueza. Depois de arrastar o corpo na última cena, pega um maço de cigarro no bolso do cadáver e fuma: sua indulgência com tal fraqueza está associada com sua nova frieza assassina.
Esses símbolos aumentam bastante o significado da história, tornando-a quase uma fábula mitológica. É um recurso narrativo poderoso porque esse tipo de simbologia não vem da arte ou psicologia, sua origem é a própria vida. Está nos sonhos, aspirações, atitudes, relações etc, apesar de que muitas vezes não conseguimos reconhecer o que está acontecendo.
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Abre com uma privada transbordando sendo desentupida na mão, parece que as pessoas não tomam banho, tem gente comendo insetos etc. ↩