Elon Musk (2023) é a biografia do empresário, escrita pelo aclamado biógrafo Walter Isaacson. É o tipo de livro que eu esconderia a capa em público se carregasse uma cópia física, já que devido à aversão que tenho pela figura não gostaria de ser confundido com seus fãs.
Foi uma leitura sofrida não apenas pelo biografado ser alguém por quem nutro o exato oposto da admiração. Parece ter sido finalizada na pressa, como reportagem de revista, sem o esmero que biografias demandam — devido à relevância jornalística, aposto que a editora apressou ao máximo a publicação. Também não ajuda que Isaacson é neutro demais em relação à negatividade de Musk — o principal motivo das críticas ao livro.
Apesar desses poréns, li até o fim as mais de 600 páginas. Desisti uma vez, mas retomei. Para mim, vale a pena conhecer mais sobre alguém tão influente, admirado e visto como empreendedor modelo, além de bastante odiado, por uma parcela menor mas contumaz. Essa história diz muito sobre a cultura atual.
A biografia expõe bastante sua vida pessoal, como a inabilidade social — Musk se autodiagnostica como dentro do espectro autista — e incapacidade de empatia, que ele vê como vantagem para os negócios. Mas os aspectos negativos ficam praticamente restritos à esfera da personalidade. Seus feitos financeiros, empresariais e de engenharia são detalhados de modo abertamente laudatório.
Aparecem muitas vezes sua ausência de humanidade no modo como trata funcionários e a exigência de que trabalhem ignorando horário e folgas, mas isso é apresentado quase como um mal necessário. O biógrafo não esconde que considera enorme a contribuição de Musk para o avanço tecnológico da humanidade, chegando a insinuar que talvez o preço disso seja a presença desses líderes mais inclinados à sociopatia.
Confesso que minha ojeriza diminuiu um pouco após a leitura. Musk foi traumatizado por um nível bem acima da média pelos abusos do pai perturbado, e sua personalidade complexa não é simples maucaratismo. No fundo, é um idealista, realmente acredita que vai alavancar o progresso tecnológico da humanidade, por mais controversos e desumanos que os meios sejam considerados. Mas como diz o ditado, “de boas intenções, o inferno…”.
A parcialidade do biógrafo também é compreensível. Ele teve um acesso inédito a Musk, familiares, pessoas conhecidas etc. O empresário ficou tão próximo do autor que passou a ligar de madrugada para explicar suas motivações, decisões etc. Com tal nível de autorização, ficaria difícil ser crítico demais.
Decidi ler Elon Musk depois de me surpreender positivamente com a biografia de um tecnobilionário da mesma turma, Sam Bankman-Fried1. Apesar de não me arrepender, o outro livro é muito melhor.
A vingança dos nerds
Uma digressão. Descobri que Musk é muito mais nerd do que imaginava. Durante a leitura desse livro, lembrei do título de um filme hilário dos anos 80 que marcou minha infância: A Vingança dos Nerds (1984).
Porque Musk é o protótipo de sucesso do “tech bro”. Essa expressão é bastante usada na cobertura de tecnologia, mas seu significado nem sempre fica claro. Tech bro é um nerd (ou seja, alguém considerado bitolado2) de computador bem empregado em sua área, ou dono — o lado nerd não é obrigatório, mas parece predominar.
O ”bro” se refere àquela cultura masculina de turma que diz “a minha turma é a melhor”. Assim, tech bros estão entre engenheiros e programadores de big techs, ou gente que lida com investimentos, criptomoedas etc. Eles se consideram os insiders, aqueles que sabem, que têm um conhecimento superior; por isso, muitos se acham melhores, e a prova disso seria suas contas de banco. Entretanto, são comuns problemas de socialização, empatia e comportamento considerado bizarro.
Após a consolidação da tecnologia da informação como a estrutura essencial de qualquer operação envolvendo dinheiro, veio então a “vingança dos nerds”. Suas habilidades tecnológicas, traços metódicos, possível falta de empatia e preocupação humana casam perfeitamente com a predação das grandes corporações. Não é acaso que estão começando a dominar o mundo. A Vingança dos Nerds é um filme de comédia, mas essa paisagem lembra bastante um pesadelo.
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Ascensão e queda de Sam Bankman-FriedAscensão e queda de Sam Bankman-Fried
O livro Sem Limites (Going Infinite, 2023), de Michael Lewis, é uma biografia de Sam Bankman-Fried, estadunidense garoto-propaganda das criptomoedas que teve ascensão e queda vertiginosas. A história vai até sua prisão em 2022 (este ano, foi condenado a 25… ↩ -
Não estou criticando nerds. Eu mesmo posso ser considerado um, já que tenho interesses muito focados em coisas consideradas anormais. ↩