Final da trilogia 'Xenogênese'

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Imago (1989) é o último livro da trilogia Xenogênese, de Octavia Butler. Comentei os outros dois em:

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A série narra um contato apocalíptico com alienígenas ambíguos. Um dos temas óbvios é o colonialismo, mas ao contrário da opinião predominante, não acho que seja a ideia central. Não é um retrato preto no branco de vilões e vítimas. Invasores têm muitas nobres qualidades, e também o contrário para humanos, apesar de não haver dúvida sobre quem está subjugando quem — humanos ou obedecem ou se rebelam.

A palavra “imago” tem dois significados. No estudo de insetos, é sobre o ser que se completa após uma metamorfose. Na psicologia (junguiana), é a imagem idealizada da figura, geralmente materna ou paterna, formada na infância e que influencia todas as relações posteriores. Esses são os temas desse capítulo final.

No livro, acompanhamos em primeira pessoa a história de Jodahs, o primeiro “ooloi” híbrido entre humanos e aliens. Ooloi é o terceiro gênero da espécie alienígena oankali, que desempenha papel central nessa sociedade, com mais habilidades de manipulação genética, sabedoria e comunhão mental, sendo também central no complexo e longo processo de acasalamento. Para gerar uma criança híbrida, são necessários cinco seres: um casal oankali, um casal humano e um indivíduo ooloi. Há também uma dinâmica especial que se forma tanto dentro quanto fora do círculo familiar.

O conflito psicológico de Jodahs rodeia temas como natureza da identidade e expectativas raciais, culturais e sociais.

Ele também tem poderes até então inéditos — é em busca desse tipo de habilidades que esses alienígenas vivem procurando novos genes, sendo uma síntese das diversas espécies pelo cosmos com quem já acasalaram. Ao se descobrir, talvez possa mudar a trágica direção da humanidade nessa relação.

Acabei me surpreendendo ao longo dos livros. Pelo modo intimista como Butler mergulha nas relações e vida social, imaginava no começo da trilogia que ela seguisse mais ou menos a linha de Ursula Le Guin, repleta de esperança e brilho. Mas há um aspecto sombrio subjacente e dominante, igualmente fascinante. Aparece no pessimismo sobre a “natureza humana hierárquica”, na dimensão trágica da história e na ambiguidade em relação às figuras dominadoras, entre outras.

Percebi também isso lendo seu premiado conto Filhos de Sangue, da coletânea de mesmo nome. É quase um germe condensado de Xenogênese. Apontaram a temática do colonialismo da história de alienígenas ambíguos que vivem com humanos em uma relação exploratória, apesar dos laços afetivos. Surpreendentemente, a autora respondeu que não escreveu o conto pensando nisso, mas sim como uma história de amor.

Concluindo, não há como não recomendar essa trilogia para quem gosta de sci-fi em geral ou de ficção especulativa visionária e existencial, com o bônus da inclusividade.