Não comento muito sobre jogos porque a maior parte que experimento é descartável, mas Elden Ring (2022, From Software) merece.
Costumo pegar games em promoção na Steam para jogar aqui e ali de noite. Abandono a maioria logo no começo. Mas uns poucos acabam sequestrando totalmente o tempo livre. Sempre que isso acontece, fico repensando minha relação com games.
“Qual é o sentido disso? O que acrescenta? Acho que chegou a hora de parar.”
Aconteceu com Elden Ring. Então, ao mesmo tempo que elogio, alerto: grande potencial de abalar relações, extinguir hobbies e arruinar a vida.
Além de ser uma unanimidade entre quem jogou, o que me levou ao game foi George R.R. Martin — autor de Game of Thrones e de ótima ficção científica — ter colaborado no roteiro.
É um RPG de ação do tipo capa e espada — superficialmente, depois há revelações sobre o gênero. O combate é estratégico: sair golpeando não funciona, é preciso estudar os oponentes — tarefa que já não é simples, pois frequentemente aniquilam com um ou dois ataques. Não tem opção de reduzir a dificuldade — acostumado com a facilidade de Assassin’s Creed, eu não conseguia passar nem do tutorial! Nunca apanhei tanto. Tive que desenvolver habilidade na marra. E, ao morrer, os pontos coletados evaporam, deixando a tensão nas alturas. Isso também multiplica muito a descarga de dopamina liberada com cada gigantesco chefão avassalador finalmente derrubado, após múltiplas tentativas seguidas. Foi o único game que me fez soltar urros de vitória.
A progressão de habilidades é lenta e o mundo aberto, uma vastidão. Cada ponto de atributo bravamente conquistado aumenta um fio de cabelo de força. Só lá na frente é que a vantagem aparece.
Cada vez que começava a ganhar confiança nas batalhas, aparecia uma nova área, inimigos mais letais e um boss ainda mais cabuloso. Mesmo depois de jogar, a inquietação do desafio pendente ficava perturbando. Até sonhava com o lance.
A história em si vai sendo entregue com conta-gotas ou nem é contada explicitamente. Para satisfazer a curiosidade ativada, é preciso ir atrás, ler as descrições das armas etc. Quem são esses seres, ou eu mesmo? O que causou toda essa ruína? Foi uma invasão? É da Terra? E essa árvore luminosa gigante?
O esforço compensa, os elementos são todos fascinantes. George R.R. Martin mostra a diferença que faz um mundo bem construído, pulsando com sentido. Foi criada também toda uma dimensão espiritual, central para o jogo, baseada em forças e entidades que evocam horror cósmico e assombro do tipo lovecraftiano. O encanto é constante. Eu ficava sentido ao ter que passar a faca em algumas figuras, ou por serem tão belas e magníficas, ou por estarem apenas miseravelmente suplicando a deuses bizarros e cruéis.
Apesar dessa complexidade e sofisticação do universo, no fundo Elden Ring entrega como poucos a diversão explosiva dos games de ação clássicos, em que saímos matando quase tudo até chegar no eminente chefe de cada fase. A mecânica da ação e o desenho dos oponentes são incríveis.
Apesar de tudo, ainda me questiono sobre o tempo investido. Claro que é muito mais divertido e emocionante que um filme, mas também exige incomparavelmente mais tempo — levei mais de 150 horas para terminar. Paradoxalmente, é depois de um jogo como esse que começo a pensar em nunca mais jogar videogame. Não quero entretenimento tão bom a ponto de ficar refém. É pura adicção.
Lançaram uma elogiada extensão do jogo este ano, Shadow of The Erdtree. Que dilema…
História confusa?
(atualização em 2024.08.17)
Descobri depois que no Brasil muita gente considera a história confusa, deixando quem joga no escuro sobre o que está acontecendo. É até possível zerar o jogo sem entender nada. Talvez seja pela língua, já que anglófilos não tiveram esse problema.1
Mas ocultar a história faz parte do design do jogo, mais ou menos como na vida, onde não há uma história, só um mundo que vai sendo descoberto. Saber mais depende da pessoa. Ajudar os personagens que aparecem também é essencial, apesar de ser algo opcional para seguir com o jogo.
No começo, também estranhei. Ficava esperando os mistérios serem explicados, mas não eram. A chave são as descrições nos itens que vão sendo coletados e fragmentos de informação nos esparsos diálogos. Quem joga é que precisa juntar as peças (eu até parava para fazer anotações, para não me perder nas jornadas paralelas, ou questlines). Montar o quebra-cabeça e extrair a história vale muito a pena, traz toda uma nova e épica dimensão. Sem ela, o game seria muito menos interessante.
Há vídeos no Youtube que explicam tudo, e essa é uma boa opção para quem tem preguiça, como eu.
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Esses jogos AAA estão traduzidos, e muita gente depende disso. Mas, com todo respeito pelos tradutores e dubladores, o resultado muitas vezes é deprimente. Não por incompetência, mas acho que por remuneração insuficiente. Quem traduz e interpreta frequentemente não está muito por dentro sobre o que é o jogo, nem ganha para isso. Vi que, no caso de Elden Ring, por exemplo, traduziram “Stormveil” (nome próprio precisa ser traduzido?!) como “Tempesvéu”. Lembro também de personagens de Cyberpunk 2077 falando na dublagem como se fossem trombadinhas de praia carioca. Aí não ajuda. ↩