Estrela da Manhã (2021, 656 págs.), do norueguês Karl Ove Knausgard, é o primeiro volume da série conhecida pelo mesmo nome, atualmente com três livros, mas longe de concluir. Capturou-me totalmente, não queria ler ou ver mais nada — geralmente, leio alguma não ficção paralelamente.
A combinação é uma das que mais gosto: uma pessoa consagrada na literatura se aventurando pela ficção especulativa, científica ou fantástica, como por exemplo Kazuo Ishiguro e Doris Lessing, que ganharam o Nobel de literatura e criaram ótima ficção científica.
Karl se consagrou com os seis volumes da série de autoficção Minha Luta, um fenômeno literário de crítica e público inédito em seu país, traduzido mundo afora, incluindo Brasil.
Estrela da Manhã narra em primeira pessoa a rotina de várias personagens na Noruega, quando uma nova estrela toma conta do céu, prenunciando mudança radical. São tão cativantes que ficava me perguntando como o autor consegue dar vida assim a pessoas tão diversas entre si, desde uma enfermeira num hospital para demência, passando por um repórter criminal investigando o sumiço de uma banda de death metal, até uma sacerdotisa da Igreja da Noruega.
Esse é o foco da história, a vida interior das pessoas. Apesar da novidade cósmica no cenário, quem esperar apenas elementos fantásticos, pode se decepcionar — como eu no começo. Mesmo assim, eles abundam, e as pessoas são tão interessantes que nada fica faltando.
O tema da série é a morte, e as questões existenciais em torno dela. O feito de Knausgaard é retratar algo tão denso e profundo de forma instigante. Conseguiu escrever praticamente um vira-páginas com as rotinas e inquietações de pessoas comuns (em oposição a personagens heroicas ou supertalentosas), dispensando técnicas de suspense como cliffhangers etc.
Questionamentos espirituais e até teológicos também figuram. Por exemplo, não é acaso que “Estrela da Manhã” é um epíteto de Lúcifer (literalmente, “portador da luz”), o primeiro anjo da mitologia bíblica.
Uma das reflexões que me deixou pensando: geralmente, a morte é considerada como negativa, talvez até algo de que deveríamos nos livrar. Como seria então um mundo sem morte? Plantas, por exemplo, apenas cresceriam, chegando num ponto em que faltaria espaço no mar, terra e ar. Seria um mundo não apenas hostil a qualquer nova vida, ela seria impossível. Assim, biologicamente, a morte é o truque que permite o aparecimento da novidade. Sem ela, a vida como conhecemos seria extinta. Na verdade, esse é o tema central da série.
Sobre os outros livros da série:
- Lobos da eternidadeLobos da eternidade
The Wolves of Eternity (2024, 800 pgs.), de Karl Ove Knausgård, é o segundo livro da série Estrela da Manhã, sobre vidas afetadas pelo surgimento inexplicável de uma grande estrela no céu. Sobre o autor e a série: A nova… - O terceiro reinoO terceiro reino
Em The Third Realm (2024), Karl Ove Knausgard continua sua cativante saga caleidoscópica que mistura realismo literário com ficção científica e até horror, na terceira parte da série Estrela da Manhã1. O livro anterior, The Wolves of Eternity (2024), parece…