Por que diabos ver a humanidade em destroços seria interessante? Por exemplo, do modo como aparece no aclamado filme Nomadland (2020). Gosto pois é mais próximo da realidade. Há um contraste violento com aquela sociedade bonitinha que só existe nos comerciais de banco, filmes de super-herói e nos sonhos de progresso propagados pelos valores dominantes.
Além disso, aquilo que há de melhor em algumas pessoas é forçado a se expressar nessas condições, num tipo de "é isso ou morte".
Sobre tais histórias, assisti nos últimos meses duas minisséries excelentes: Mare of EastTown e Dopesick, ambas de 2021.
Mare of EastTown (2021)
Kate Winslet interpreta uma policial abatida em uma cidade interiorana. Apesar de pequena, a comunidade é um bom reflexo da ruína social reinante nos EUA: com empregos de merda, distúrbios mentais diversos, epidemia de adicção, famílias em pedaços, almas oprimidas… Fiquei bastante surpreso: lembrou-me fielmente do que vi quando morei lá, já que são raros no entretenimento os retratos que desmistificam com rigor o "sonho americano".
Esse é o cenário, que acaba sendo um personagem principal em uma trama criminosa competente em prender a atenção e surpreender.
A história que marca mais não é a dos crimes misteriosos, mas sim, a das vidas das personagens, quase todas mulheres. Como é uma minissérie de sete episódios, parece um filmão longo de primeira, que mergulha nos corações das protagonistas de modo que um longa-metragem jamais conseguiria, por ser mais curto.
Onde ver: Amazon, HBO etc.
Dopesick (2021)
Há uma série nova na Netflix sobre essa mesma história real: Império da Dor. Não vi, mas segundo a crítica e público, ela é bem inferior à Dopesick.
A trama é sobre a gigante farmacêutica Purdue, que criminosamente colocou no mercado (mundial) o analgésico opioide Oxycontin, no fim dos anos 90. Mascarando seus efeitos viciantes e potencialmente fatais, a corporação forçou o produto no mercado, lucrando horrendamente e dando origem a toda uma nova geração, exponencialmente explosiva, de dependentes dessa classe de droga, que engloba também heroína e morfina.
O foco da destruição na minissérie (de oito episódios) é uma pequena cidade que termina literalmente arruinada pela nova onda de adicção. Aqui e ali, há um pouco de exagero na dramatização dos eventos, mas, como em Mare of EastTown, achei o cenário muito fiel ao que vi, por exemplo, em Chicago há alguns anos, com dependentes de heroína pedindo dinheiro nos faróis, famílias e círculos de amizade destroçados, depressão e falta de sentido como sendo o novo padrão etc.
Algo que costuma ficar de fora quando se discute danos hipercapitalistas como esses é que, na verdade, essa não é uma operação fora do padrão, apenas segue a lucrativa lógica vale-tudo de qualquer corporação.
Onde ver: Star+, Hulu etc.