O segredo das árvores

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Capa do livro "The Overstory"

Acho que The Overstory (2018), de Richard Powers, foi o melhor livro de ficção que já li. "Acho" porque não parei para criar uma classificação, mas não lembro de algo tão poderoso.

Terminei uma segunda leitura, com uma impressão mais intensa que a primeira. Nos últimos anos, esse foi um dos únicos livros que quis reler logo depois de terminar — o outro foi a trilogia Comando Sul, de Jeff Vandermeer (A natureza alienígena de Jeff VandermeerA natureza alienígena de Jeff Vandermeer
(ilustração de Armando Veve, para o conto This World is Full of Monsters) Coincidentemente, passei uns meses meio imerso num universo de fungos e cogumelos. Além do seriado The Last of Us, li a trilogia Ambergris, de Jeff Vandermeer (reunida…
).

Dizem que o livro perfeito é aquele que terminamos com a sensação de não ser mais a mesma pessoa. Um crítico disse isso sobre The Overstory e, sim, absolutamente. A obra — que ganhou o Pullitzer de melhor ficção em 2019 — consegue abrir a percepção e empatia com outros seres nessa profunda dimensão da interconexão da vida.

É uma história que gradualmente vai interligando a vida de nove pessoas com árvores. O principal diferencial é que ela posiciona essas plantas como um tipo de personagem central, de modo ativo e quase demiúrgico.

Como o autor diz, imaginamos que a realidade é aquilo que percebemos à nossa frente. O problema dessa visão é que ela se limita ao tempo da percepção humana. Já árvores se movem, "conversam" e até guardam memórias em uma escala muito mais lenta, a ponto de ser algo quase invisível. Só nas últimas décadas é que começaram a ser estudadas seriamente coisas como a comunicação, cooperação e inteligência de árvores.

Uma antiga história pulp de ficção científica, mencionada bem de passagem no livro, ilustra essa cegueira humana. A Terra é invadida por uma avançada espécie alienígena não apenas minúscula, mas muito rápida. Um segundo humano equivale a um ano desses aliens. Eles percebem pessoas como gigantescas estátuas. Tentam estudá-las e até se comunicar, mas não percebem nenhuma resposta. Concluindo que não há aí nenhuma senciência, destroem tudo para se alimentarem.

Há outra passagem que demonstra esse tema central: a vida que é capaz de reconhecer-se em outras formas de vida. No livro, um advogado menciona que a história da humanidade poderia ser resumida na gradual expansão de direitos a pessoas que antes não tinham. Na antiguidade, crianças não eram consideradas pessoas. Passaram a ser. Depois, mulheres, pessoas pretas, povos originários, não binárias etc. Em países de cultura avançada, como a Nova Zelândia, a senciência agora está sendo legalmente estendida para diversos animais.

Esse livro consegue transmitir a experiência de que a natureza e, principalmente, plantas vão muito além de serem meros recursos para exploração. Somos todos seres sensíveis. "Overstory" é um termo botânico que se refere à cobertura superior de uma floresta mas, considerando as palavras envolvidas, também significa "história que tudo abarca".

Felizmente, o livro transcende plenamente a panfletagem ecológica. Powers é um dos autores estadunidenses mais consagrados. The Overstory é tão bem escrito que faz a lista de bestsellers parecer redação de escola. Ao ler, eu lembrava que a última vez que me deparei com tanta beleza literária foi com Submundo, de Don DeLillo, ou Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon — dois célebres romancistas a quem Powers costuma ser comparado. Para mim, isso foi uma explosão estética porque não costumo ler alta literatura, preferindo me entreter com coisas mais "baratas".

Além do encanto das letras, esse livro também brilha em significado, pintando a ecologia com tons cosmo-existenciais. Entrega basicamente a grande experiência transcendente-imanente que sempre menciono — quando comento Spinoza, psicodélicos, filosofia da consciência etc. Frequentemente provoca lágrimas não apenas por desdobramentos tristes ou belos, mas por emoções tão vastas quanto a vida.

Quando li pela primeira vez, há uns três anos, gostei tanto que não conseguia soltar, terminando em poucas sentadas. Agora na segunda, diversos outros aspectos se abriram, como a magia das frases, a profundidade das personagens, simbologia, novas conexões entre histórias aparentemente separadas…

Em um ponto alto, literalmente, um ativista acampado em desobediência civil em cima de uma sequoia gigante com sua nova companheira de vida, que é um tipo de profetisa moderna, em meio aos escombros da saga socioambiental em que sua existência se revirou, admite já com saudosismo algo como: "Acho que a curva da minha vida acabou de atingir o pico. Tudo que vier depois jamais vai se comparar…". The Overstory consegue uma transfusão de emoções como essa diretamente no coração.

A tradução em português brasileiro será publicada em breve pela editora Todavia. Outra boa notícia é que os produtores responsáveis pela aclamada série Game of Thrones, que se dizem apaixonados por esse livro, vão adaptá-lo em uma minissérie Netflix.

Isso virá depois de outra fabulosa adaptação que fizeram, a da trilogia scifi O Problema dos Três Corpos. Acho que essa é a melhor história de "primeiro contato" que já li, mas fica para outro texto.