Há verdade em revelações psicodélicas?

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Ateísmo e agnosticismo parecem estar mais presentes na atual renascença psicodélica. É algo bastante bem-vindo, já que esse universo sempre foi influenciado — ou até dominado — pelos mais variados tipos de crenças.

São comuns relatos de encontros ou união com Deus (ou algum princípio ou verdade absoluta) entre quem tem tal inclinação. Mas uma explicação cética refuta a veracidade desses relatos, com base no "efeito noético" de psicodélicos.

Esse termo foi popularizado por William James no começo do século 20 e se refere a um estado de consciência em que a (verdadeira) realidade é percebida (mais sobre isso no artigo adiante).

No estudo de psicodélicos, a qualidade noética é um efeito padrão em experiências profundas e transformadoras. Conforme a explicação cética, esse efeito seria apenas uma ilusão alucinatória, em que a pessoa vê imenso sentido e verdade onde não há.

Apesar de minha abordagem também ser agnóstica, discordo desse argumento e estava planejando escrever sobre isso. Mas encontrei um artigo ótimo que entra fundo na questão, indo bem além do que eu pensava.

Diferentemente do que eu escreveria, o autor mantém a perspectiva cética bem aberta. Mas é aquele tipo de ceticismo saudável e instigante.

Então segue uma tradução desse artigo, do jornalista inglês Sam Woolfe, que tem bastante familiaridade com psicodélicos.

Vale uma nota sobre o uso das palavras "místico" ou "misticismo". Na língua corrente, esses termos se tornaram pejorativos, quase como sinônimos de superstição e obscurantismo. Já no estudo de religiões, a palavra se refere a uma experiência direta da dimensão espiritual, diferente de um conhecimento meramente teórico. É nesse sentido que a palavra é usada no texto a seguir.


Insight metafísico: psicodélicos, experiências noéticas e o deus de Spinoza

por Sam Woolfe, 2022.01.10

(leitura: 27 min | original em inglês)

Imagem de uma silhueta humana diante da Via Láctea
Imagem: Evgeni Tcherkasski @ Unsplash

A sensação de obter conhecimento direto de algo grandioso ou importante sobre a realidade é um aspecto comum das experiências místicas em geral e dos estados místicos psicodélicos mais especificamente. Isso é conhecido como uma experiência noética, uma das quatro qualidades que definem uma experiência mística, conforme proposto pelo psicólogo e filósofo americano William James em As Variedades da Experiência Religiosa (1902). Ele descreve essa qualidade noética da seguinte forma:

Embora tão semelhantes aos estados de sentir, os estados místicos parecem, para aqueles que os experimentam, ser também estados de conhecimento. São estados de percepção das profundezas de verdades não exploradas pelo intelecto discursivo. São iluminações, revelações, cheias de significado e importância, todas inarticuladas, embora permaneçam; e, em geral, carregam consigo um curioso senso de convicção para o futuro.

Esse momento de descoberta pode estar ligado à vida do indivíduo ou à natureza do próprio universo. Resumidamente, os outros três aspectos essenciais da experiência mística, de acordo com James, são (citando suas descrições):

  • inefabilidade — "O sujeito da experiência imediatamente diz que ela desafia a expressão, que nenhum relato adequado de seu conteúdo pode ser dado em palavras";
  • transitoriedade — "Estados místicos não podem ser mantidos por muito tempo";
  • e passividade — "Quando esse tipo característico de consciência se instala, a pesssoa mística sente como se sua própria vontade estivesse suspensa e, de fato, às vezes, como se estivesse sendo agarrada e mantida por um poder superior".

Para James, a inefabilidade e a qualidade noética são as duas condições necessárias e suficientes para uma experiência mística, enquanto a transitoriedade e a passividade são mais sutis e não são exigidas (embora muitas vezes acompanhem esse estado alterado de consciência).

Desde a época de James, outros filósofos e psicólogos (por exemplo, Walter Stace, Walter Pahnke e Ralph W. Hood) desenvolveram outras formulações da experiência mística, acrescentando outras características definidoras, incluindo a ausência de espaço e de tempo, um sentimento de sacralidade ou reverência, unidade ou interconexão, perda do ego, e êxtase ou alegria profunda.

Stace fez uma distinção entre experiências místicas "extrovertidas" e "introvertidas". Ele chama a primeira de uma experiência de unidade dentro do mundo, em que a pessoa é unificada com os objetos da percepção; enquanto a segunda é "uma experiência de unidade desprovida de objetos perceptivos; é a experiência de uma qualidade sobre literalmente 'coisa alguma'" — um estado de consciência pura.

Essas ideias subsequentes sobre misticismo passaram a influenciar a pesquisa sobre psicodélicos, com escalas que medem qualidades místicas (como a escala de misticismo Hood), sendo aplicadas para verificar se — e em que grau — as pessoas experimentam uma experiência mística clássica.

Experiências noéticas: uma característica comum de estados alterados místicos

Há muito debate dentro da filosofia do misticismo sobre o que torna mística uma determinada experiência, e muitos pesquisadores também questionam a aplicação do misticismo na ciência psicodélica. Entretanto, para fins de discussão, considerarei a qualidade noética como sendo um aspecto comum do estado psicodélico místico — estando de acordo com o pensamento de James —, conforme a experiência mística clássica é amplamente definida, e de acordo com o que muitas pessoas relatam após suas experiências mais profundas com psicodélicos.

O próprio James relatou a qualidade noética — a sensação de imensa revelação — como parte fundamental de seus experimentos com óxido nitroso.

Esse composto também é conhecido como "gás do riso", termo cunhado pelo químico inglês Humphry Davy, que também usou e escreveu sobre suas experiências com óxido nitroso. Isso o deixou com a convicção de que o idealismo (filosófico)1 era verdadeiro: "(…) com o modo mais intenso de fé e profecia, exclamei… 'Nada existe além de pensamentos! — o universo é composto de impressões, ideias, prazeres e dores!'".

Em seu ensaio de 1882 The Subjective Effects of Nitrous Oxide (que pode ser lido aqui), James escreve:

Comigo, como com todas as outras pessoas de quem ouvi falar, o tom dominante da experiência é a sensação tremendamente empolgante de uma intensa iluminação metafísica. A verdade se abre à visão em profundezas sob profundezas de evidências que quase cegam. A mente enxerga todas as relações lógicas de existir, com uma aparente sutileza e instantaneidade sem paralelo com sua consciência normal; somente quando a sobriedade retorna, a sensação de insight desaparece e a pessoa fica olhando de modo vazio para algumas palavras e frases desconexas, como se olhasse para o pico de neve de aparência cadavérica sobre o qual o brilho do pôr do sol acabou de fugir, ou para as cinzas escuras deixadas por uma brasa apagada.

Mais tarde, ele observou que "o primeiro resultado (do óxido nitroso) foi fazer com que sentisse, com um poder indescritível, a convicção de que o hegelismo era verdadeiro, afinal".

Nesse ensaio, James menciona como ele se inspirou nas ideias expressas em The Anaesthetic Revelation and the Gist of Philosophy (1874), escrito pelo filósofo e poeta americano Benjamin Paul Blood, que experimentou o óxido nitroso e se viu vivenciando estados de consciência e percepções que filósofos metafísicos como Platão e Hegel tinham. No prefácio de seu livro Pluriverse (publicado postumamente em 1920), Blood afirma:

Foi no ano de 1860 que me veio, por meio do uso necessário de anestésicos, uma Revelação ou percepção do Mistério imemorial que, entre as pessoas esclarecidas, ainda persiste como o segredo ou problema filosófico do mundo. (…) Depois de quatorze anos dessas experiências em intervalos variados, publiquei The Anaesthetic Revelation and the Gist of Philosophy (1974), sem a pretensão de definir o significado dessa iluminação, mas sim de indicar a experiência e, em um resumo filosófico, mostrar onde ela ficou aquém do esperado.

Ele argumentou que a "revelação anestésica" que experimentou foi "primordial", "adâmica" e incomunicável (em acordo com o requisito de inefabilidade de James para estados místicos). Ele escreveu a James: "Filosofia é passado. Ela foi o longo esforço para criar lógica para aquilo que só podemos perceber na prática ou na experiência imediata".

Todos os que fizeram experiências com esse gás psicoativo e drogas semelhantes relataram iluminações metafísicas indescritíveis, como destaca James. Essas outras figuras incluem Xenos Clark, Edmund Gurney, J.A. Symonds e William Ramsay.

A visão de mundo de Blood era um misticismo pluralista porque ele afirmava que suas experiências místicas eram simplesmente experiências; ele não as vinculava a uma grande doutrina sistemática como a filosofia hegeliana.

Em um poema de James sobre o óxido nitroso, há versos como: "Nenhuma profusão de palavras pode transmitir, porque a verborragia é uma outra coisa", "E desvanece! E é infinito! E TAMBÉM é infinito!", e "Constantemente os opostos se uniam!".

Aqui temos algumas das características recorrentes do estado místico: inefabilidade, passividade, um senso de infinito e unidade (a unificação de opostos, um estado não dualista, que é sentido por muitos como uma percepção da verdadeira natureza da realidade).

Em As Variedades da Experiẽncia Religiosa, James também fala sobre a unidade como uma característica essencial dessas experiências transcendentes, uma unidade que pode ser vista como noética (reveladora) em sua natureza. Ele disse que suas experiências com óxido nitroso…

convergem todas para um tipo de percepção à qual não posso deixar de atribuir algum tipo de significado metafísico. O tom predominante é invariavelmente uma reconciliação. É como se os opostos do mundo, cuja contradição e conflito geram todas as nossas dificuldades e problemas, fossem fundidos em uma unidade. Sei que esse é um dizer obscuro, quando expresso dessa forma em termos de lógica comum, mas não consigo escapar totalmente de sua autoridade. Sinto que ela deve significar algo, algo similar ao que a filosofia hegeliana significa, se alguém pudesse compreendê-la com mais clareza. Aqueles que têm ouvidos para ouvir, que ouçam; para mim, o sentido vivo de sua realidade só vem no artificial estado místico mental.

Embora o óxido nitroso não seja tipicamente considerado um psicodélico, podemos ver com esses filósofos inaladores que ele pode, de fato, induzir (e de forma confiável) experiências noéticas, ou seja, a sensação de revelação direta, iluminação, percepção, conhecimento e sabedoria.

Assim como psicodélicos clássicos — como psilocibina, LSD e DMT — o óxido nitroso parece, em doses suficientes, fazer com que usuários sintam que estão espiando por trás da cortina da realidade consensual, obtendo acesso direto à realidade suprema, e isso marca a pessoa com sua inegabilidade.

Pode-se ter uma noção abstrata de percepções místicas, como o colapso da dualidade e dos opostos, mas outra coisa bem diferente é experimentar essa ideia em primeira mão. De fato, James esclarece que as experiências noéticas não envolvem necessariamente novos conceitos ou percepções, mas o aprendizado do que já é conhecido, de uma forma mais profunda e confiante.

A experiência com o óxido nitroso é breve e fugaz; há uma sensação de estar sendo confrontado com uma verdade monumental, em toda a sua clareza, mas, assim como James, usuários pensam que essa verdade escapa à lembrança. Ela parece se retirar para algum domínio fechado, acessível somente por meio da alteração da mente.

Quando se usa óxido nitroso ou DMT, a pessoa perde rapidamente a compreensão da epifania ao retornar ao estado sóbrio, de forma semelhante ao esquecimento de um sonho ao acordar, o que pode ser frustrante ou engraçado (dependendo de sua perspectiva), dado o quão titânica parecia ser a revelação.

Essa sensação de compreensão direta é vivenciada por muitos usuários de substâncias psicodélicas e, muitas vezes, é acompanhada por sentimentos de espanto — ou choque ontológico — devido à reformulação radical da realidade que ela impõe às pessoas (embora, dependendo das crenças pré-existentes ou da atitude da pessoa em relação à experiência após o término, essas mudanças drásticas podem não ocorrer).

O espanto de olhos arregalados e de queixo caído que se segue às experiências noéticas pode ser especialmente acentuado se a revelação for de natureza cósmica. Não é incomum, durante estados místicos psicodélicos, sentir que se está experimentando a "Base do Ser" ou "Ser-Em-Si" (termos que o teólogo e filósofo alemão Paul Tillich usou para descrever Deus), ou ganhando alguns insights cósmicos, como a compreensão da natureza infinita ou eterna do universo ou de como o universo veio a existir.

Esses encontros cósmicos face-a-face geralmente são acompanhados de sentimentos de espanto, arrebatamento e incredulidade. É mais provável que ocorram com o uso de altas doses de psicodélicos ou compostos potentes (como o DMT) e, em geral, acredita-se que estejam em uma altura (ou profundidade) insondável na experiência humana.

Se essas experiências são verídicas é outra questão. O pesquisador psicodélico Ido Hartogsohn observou que "experiências e percepções do tipo místico obtidas com psicodélicos parecem subjetivamente mais significativas do que experiências e percepções comparáveis não induzidas psicodelicamente, em virtude do efeito dessas drogas de aumentar o significado".

Parece, na hora, que as áreas do cérebro envolvidas na experiência de significado ou importância são particularmente ativadas sob a influência de psicodélicos. Isso pode aumentar a probabilidade de alguém acreditar em ideias induzidas por psicodélicos, mas esse efeito pode não estar relacionado à (suposta) verdade dessas ideias.

Devido ao efeito de aumento de significado com psicodélicos, pode ser possível experimentar um estado intenso de significado sem um objeto ou ideia relevante ao qual ele se refira — um sentimento de insight e revelação sem conteúdo real. Como o pesquisador psicodélico David Luke disse sobre algumas pessoas que encontram entidades sob a influência do DMT: "Mesmo que não haja uma mensagem específica (das entidades), há uma sensação de profundidade".2

Talvez seja por isso que é tão difícil (ou impossível) comunicar qualquer percepção, pois o usuário tem apenas uma forte impressão de profundidade, certeza e magnitude. Afinal de contas, não é incomum que usuários de psicodélicos digam que uma experiência foi profundamente significativa, mas não sabem por quê.

Por outro lado, eu gostaria de moderar esse ceticismo com o reconhecimento de que muitos filósofos e psiconautas realmente extraem conteúdos específicos de suas experiências noéticas — e pode ser que algum tipo de compreensão só seja possível quando o órgão da compreensão, a mente, esteja modulado de determinada maneira.

O próprio James enfatizou que a revelação de um estado místico pode ter autoridade para o indivíduo que a vivenciou em primeira mão, mas não para outras; e outras pessoas não devem aceitá-la acriticamente. Além disso, gostaria de enfatizar que, independentemente da veracidade, o significado pessoal e as mudanças positivas que resultam dessas experiências não necessariamente perdem nenhum poder.

É discutível se esses insights ou intuições especiais são mesmo verificáveis; as discordâncias sobre isso dependerão do que cada um acredita sobre quais são as formas legítimas de obter conhecimento.

Também é possível que insights místicos — sobre, por exemplo, não dualidade, unidade, panteísmo, panpsiquismo ou sobrenaturalismo — sejam falsos, embora comuns. O universo poderia ser fundamentalmente dualista ou pluralista em sua natureza (há duas ou muitas substâncias diferentes, respectivamente), em contraste com visões de mundo monistas, que postulam apenas uma substância.

A convicção inabalável não é suficiente para estabelecer veracidade. Para atingir esse objetivo, o filósofo especialista em psicodélicos Peter Sjöstedt-Hughes argumenta que podemos comparar essas experiências conforme os seguintes critérios, que atuam como testadores de verdade:

  • sensibilidade (o que você sente com seus cinco sentidos);
  • objetos compartilhados de experiência (experimentar algo que outros também experimentam);
  • coerência com outras crenças (concordância entre nossas percepções sensoriais e nossas crenças anteriores);
  • e racionalidade (ser capaz de apresentar razões para acreditar no que experimentamos).

Sjöstedt-Hughes dá ênfase especial ao critério dos objetos compartilhados da experiência. Isso ocorre porque há muitas características comumente relatadas de estados psicodélicos, como a unidade ou a natureza subjetiva do espaço e do tempo. Ele cita o filósofo C.D. Broad, que observou: "Na medida em que (experiências místicas) concordam, elas devem ser provisoriamente aceitas como verídicas, a menos que haja alguma base positiva para pensar que não são".

Essa visão é contestável, é claro. Além disso, é difícil verificar experiências noéticas nos casos em que são inefáveis — quando o usuário sente que nenhuma palavra ou interpretação podem ser dadas sobre elas. Isso não significa necessariamente que os insights são vazios e inúteis; apenas que, em nosso estado de consciência desperto e consensual, esses insights são misteriosamente impenetráveis.

Sjöstedt-Hughes faz questão de enfatizar o fato de que a natureza induzida por drogas dessas experiências noéticas não é, de forma alguma, prova de que elas sejam apenas delírios estranhos. Ele escreve que "a indução química de correlatos da experiência mística não pode, por si só, refutar a objetividade daquilo que é experimentado".

Mas, para reiterar, também temos que estar abertos à possibilidade de que alguém possa ter uma sensação de insight sem nenhum insight real. Isso poderia ser como a pura significância, que descrevi anteriormente. Seria interessante descobrir se essa experiência é possível, no entanto, e se algum estado cerebral distinto estaria correlacionado a ela.

Pesquisadores demonstraram, pelo menos, que o momento de insight revelador pode ser provocado usando informações falsas e aplicado com informações não relacionadas.

Experiências psicodélicas podem estar especialmente inclinadas a produzir falsos insights — por exemplo, esperar ter insights verdadeiros significa que você estará mais propensa a atribuir o senso de revelação a qualquer ideia que tiver.

Um caso de insight ilusório também pode ser o resultado de substâncias psicodélicas que tornam o cérebro hiperconectado, em que a subsequente enxurrada de informações que entram na consciência é confundida com insights cósmicos ou a unificação com a "mente universal".

Esse cenário é compreensível. Afinal de contas, o cérebro hiperconectado pode proporcionar ao indivíduo um acesso sem precedentes à mente, uma infinidade de pensamentos e perspectivas novas e visões intrincadas e impressionantes centradas na vida e no universo.

Essas experiências podem ser realmente instigantes, mas não significam necessariamente que a mente alterada tenha se tornado um instrumento com acesso direto às escalas cósmicas e infinitesimais da realidade.

Ao mesmo tempo, essas experiências podem se alinhar com certas verdades, e não deve ser surpreendente descobrir que um cérebro modulado e hiperconectado às vezes produzirá insight e, em outras ocasiões, falsidades criativas, sendo que as últimas são frequentemente atraentes porque podem nos oferecer novidade, narrativa, significado, propósito, certeza e conforto.

Experiências noéticas, metafísica e consciência

Agora gostaria de conectar a natureza das experiências noéticas psicodélicas às ideias de Baruch Spinoza, o famoso filósofo holandês que reconcebeu a noção de Deus, postulando que Deus é idêntico à natureza.

Essa visão de mundo panteísta, conforme descrita na obra de Spinoza Ética3 (1677), rejeita a ideia de um deus pessoal ou de um criador individual, como é encontrada nas tradições monoteístas. Ele estava escrevendo em oposição "àqueles que fabricam um Deus, como o homem, consistindo de um corpo e uma mente, e sujeito a paixões".

Em 27 de julho de 1656, ele foi excomungado da comunidade judaica hispano-portuguesa em Amsterdã (essa proibição, que separa uma pessoa da comunidade judaica, é conhecida como "herem"). Embora não saibamos ao certo quais foram os "atos monstruosos" e as "heresias abomináveis" de Spinoza que levaram a uma punição tão severa, é razoável supor que ele professava crenças que viria a detalhar em suas obras, como a rejeição de um Deus transcendente, pessoal e legislador, e a imortalidade da alma.

Em vez disso, Spinoza argumentou que Deus ou Natureza é uma substância eterna consistindo de "atributos infinitos", e essa substância única possui um "intelecto infinito", que compreende esses atributos (desses atributos de Deus, Spinoza diz que temos conhecimento de apenas dois deles: pensamento e extensão). Para Spinoza, em Deus ou Natureza, há uma ideia para cada uma de todas as coisas.

É interessante notar que, durante estados psicodélicos intensos, pode-se ter a sensação de conhecer todos os segredos do universo; todas as perguntas são respondidas de uma só vez e nenhum mistério permanece — é como se a pessoa tivesse se tornado onisciente. Isso pode ser considerado como um tipo de experiência noética total, na qual não há apenas a sensação de compreensão profunda de alguma verdade importante, mas da compreensão profunda de Tudo, ou da Verdade Suprema.

Esses tipos de experiências noéticas poderiam dar crédito à concepção de Deus de Spinoza?

Bem, poderiam, se assumirmos que a experiência noética total que descrevi é uma forma de entender o intelecto infinito, de entrar em contato com sua realidade ou até mesmo se unificar com isso (em um estado de união mística).

De acordo com Spinoza, "a mente humana é uma parte do intelecto infinito de Deus". Seria bastante radical afirmar que essa mente, quando alterada por um composto psicodélico, poderia deixar de ser um aspecto de Deus para ser a plenitude de Deus.

Encontrar genuinamente a Totalidade que é Deus ou Natureza sob a influência de um psicodélico também é uma afirmação extraordinária. No entanto, muitas pessoas têm essas experiências e continuam convencidas de que elas não eram apenas de natureza subjetiva, mas também objetiva. É difícil avaliar a suposta objetividade dessas alegações, mas relacioná-las ao pampsiquismo e a outras teorias da mente pode ser útil.

Devemos observar aqui que Spinoza também era um pampsiquista, pois ele postulava que a mente (pensamento) é um atributo da substância eterna e infinita que é Deus ou Natureza; e como Deus ou Natureza é tudo, então tudo tem a qualidade de mente. Todo objeto tem um modo único de extensão e um modo correspondente de pensamento. Como ele escreve:

(…) um círculo existente na natureza e a ideia do círculo existente, que também está em Deus, são uma e a mesma coisa (…) portanto, quer concebamos a natureza sob o atributo da Extensão ou sob o atributo do Pensamento (…) encontraremos uma e a mesma ordem, ou uma e a mesma conexão de causas. (…)

A posição pampsiquista de que a mente ou a consciência é uma característica fundamental e generalizada do universo pode parecer implausível. No entanto, vale a pena ressaltar que essa posição não afirma que todos os tipos de matéria e todas as partículas têm o mesmo tipo de subjetividade e consciência complexas de criaturas sencientes como os seres humanos. Presume-se que os átomos, por exemplo, tenham uma forma muito básica de consciência.

Há uma vertente do pampsiquismo conhecida como cosmopsiquismo, que pode ajudar ainda mais a vincular o Deus de Spinoza às experiências psicodélicas. Essa posição afirma que o universo como um todo é um sujeito consciente, com todas as entidades e propriedades, inclusive mentes como as nossas, sendo aspectos do universo consciente.

A filosofia de Spinoza efetivamente promove essa posição, uma vez que Deus ou Natureza tem a propriedade de uma "qualidade com mente" ("mindedness"): possui um "intelecto infinito". Além disso, de acordo com o cosmopsiquismo, esse sistema de pensamento vê a matéria e as mentes como aspectos dessa entidade consciente maior.

Portanto, a questão relevante agora é a seguinte: psicodélicos podem permitir que alguém se conecte a essa supermente (por meio de contato ou unificação)?

Ao tentar responder a essa pergunta, gostaria de combinar a visão cosmopsiquista com a teoria da mente como válvula redutora (que discuti em meu artigo sobre experimentar o impossível com DMT). Essa última teoria foi apresentada pela primeira vez pelo filósofo francês Henri Bergson, foi adotada pelo filósofo inglês C.D. Broad e, posteriormente, popularizada na obra de Huxley As Portas da Percepção, com Huxley se sentindo confiante quanto à veracidade dessa teoria, após ter refletido sobre sua experiência com mescalina.

Bergson passou a acreditar que o cérebro e o sistema nervoso humano desempenhavam uma função "eliminativa", em vez de "produtiva". Com isso, ele quis dizer que o objetivo do cérebro e do sistema nervoso é manter estímulos e informações fora da percepção consciente. Huxley usou o termo "válvula redutora" para descrever essa função do cérebro. Em As Portas da Percepção, ele cita C.D. Broad, que disse:

A função do cérebro e do sistema nervoso é nos proteger de sermos sobrecarregados e confundidos por essa massa de conhecimento em grande parte inútil e irrelevante, fechando a maior parte do que deveríamos perceber ou lembrar a qualquer momento, e deixando apenas aquela seleção muito pequena e especial que provavelmente terá utilidade prática.4

Se a válvula redutora da mente não existisse, ou permitisse a entrada de todas as informações o tempo todo, isso, como argumenta Huxley, tornaria a sobrevivência impossível. Reiterando o argumento de C.D. Broad, ele afirma:

Para tornar a sobrevivência biológica possível, a Mente Mais Ampla precisa ser canalizada através da válvula redutora do cérebro e do sistema nervoso. O que sai do outro lado é um mísero gotejamento, no tipo de consciência que nos ajudará a permanecer vivos na superfície deste planeta particular.

Com a mescalina, Huxley foi inundado com o que ele chama de "Mente Mais Ampla", a mente consciente sem os filtros do cérebro e do sistema nervoso.

Mais de 50 anos depois que Huxley promulgou a teoria da válvula redutora da mente, a pesquisa científica sobre os efeitos de drogas psicodélicas viria a confirmar a ideia.

Em 2016, pesquisadores do Imperial College de Londres publicaram um estudo histórico no Proceedings of the National Academy of Sciences mostrando os resultados das primeiras imagens do mundo do cérebro com LSD.

Uma das principais descobertas do estudo foi que o LSD diminui a comunicação entre as regiões cerebrais que formam a "rede de modo padrão" (RMP), um conjunto de centros de distribuição que, agora sabemos, restringe a quantidade de informações sensoriais que entram na consciência. A RMP é essencialmente a válvula redutora que Huxley tinha em mente; ela controla a comunicação entre as regiões cerebrais, criando um cérebro um tanto segregado5.

Entretanto, a teoria da válvula redutora proposta por Bergson e Huxley parece ir além dos limites do cérebro físico. Isso seria possível se pensarmos no cérebro como um receptor ou modulador da consciência que existe fora de nós, em vez de um órgão que produz consciência localizada.

De acordo com essa hipótese (postulada pelo neurofilósofo John R. Smythies e pelo escritor Graham Hancock), o cérebro é um dispositivo de modulação ou sintonização, sua relação com a consciência sendo como a de uma TV com o sinal transmitido — a consciência se manifesta do modo particular como faz para nós da mesma forma que um sinal transmitido se manifesta como imagens em movimento na tela da TV.

Transforme o dispositivo de sintonização, por meio de psicodélicos, por exemplo, e o que aparece na "tela da TV" muda. Embora controversa e sujeita a várias críticas, a teoria do receptor ou transceptor de consciência, quando combinada com a da válvula redutora, poderia permitir que nossas mentes estejam abertas a muito mais informações do que quando supomos que o cérebro produz a consciência.

Em relação a essa ideia, Huxley cita Broad, que disse:

Cada pessoa é, a cada momento, capaz de se lembrar de tudo o que já aconteceu com ela e de perceber tudo o que está acontecendo em todos os lugares do universo. (…) cada um de nós é potencialmente a Mente Mais Ampla.

E o que é a Mente Mais Ampla senão a mente do Deus de Spinoza, o intelecto infinito? Se você percebesse tudo no cosmos sob a influência de psicodélicos, o que muitos usuários relatam, então a combinação do cosmopsiquismo com as teorias da válvula redutora e do receptor da consciência poderia ser uma maneira de explicar esse fenômeno.

Em nenhuma circunstância normal experimentamos a completude da Mente Mais Ampla, de Deus ou Natureza — a experiência noética total — porque isso seria, ou é, avassalador. Ela simplesmente não serve aos propósitos da consciência prática, mas, ao contrário, a impede. Um grande insight de DMT não leva a pensar ou agir de nenhuma forma (imediatamente) prática ou útil.

O cosmopsiquismo não é a única maneira de expandir a teoria da válvula redutora para iluminar as experiências noéticas. As ideias de Bergson sobre a memória também podem ser relevantes.

Em sua obra Matter and Memory (1896), Bergson afirma que existe a memória pura, que tem uma natureza virtual — ela não reside em nossos cérebros ou em qualquer lugar físico. Em vez disso, é um repositório não real de todos os eventos passados, cujo conteúdo pode ser atualizado em momentos diferentes, dependendo de nossas necessidades e preocupações atuais e do que precisamos para dar sentido ao presente.

A memória pura, essa ideia radical de Bergson, é a totalidade das memórias que existem eternamente em um estado virtual. A mente, como uma válvula redutora, limita o conteúdo da memória pura que chega à nossa percepção consciente. Mas, se psicodélicos puderem enfraquecer ou desativar essa válvula redutora, então poderemos estar mais abertos ao vasto repositório de memórias puras: todos os eventos passados. Se alguém tivesse esse acesso, isso não se encaixaria na natureza da experiência noética total, com a convicção de se tornar a mente de Deus?

Isso não é dizer que acessar mais da memória pura — ou até mesmo a sua totalidade — corresponderia ao Deus de Spinoza, mas pode pelo menos ajudar a explicar por que as pessoas saem de um estado psicodélico convencidas de que viram ou entenderam "tudo".

A noção de "tudo" é relativa. Estar ciente de mais (mas não tudo) da Mente Mais Ampla ou da memória pura pode parecer a totalidade, à luz de sua imensidão.

Acho que também será esclarecedor considerar as experiências noéticas tendo em mente o conceito de Spinoza sobre o "amor intelectual de Deus".

"O conhecimento de Deus é o maior bem da mente: sua maior virtude é conhecer Deus", diz Spinoza, e ele acreditava que esse bem supremo poderia ser alcançado por todas as pessoas.

Uma vez que Deus ou Natureza foi concebido como uma substância infinita, exatamente por essa natureza, isso é a maior coisa que pode ser conhecida. Esse tipo de conhecimento parte de uma ideia acertada sobre um dos atributos de Deus, e chega a uma ideia acertada da essência de Deus, de uma coisa singular (não composta), que é a causa de todos os modos ou modificações de Deus (ou seja, todos os atributos da existência).

A essência de Deus, na visão de Spinoza, é sua existência ou eternidade. Eterno geralmente significa "existir para sempre no tempo", mas Spinoza redefine isso como "a própria existência, na medida em que é concebida para seguir necessariamente da própria definição de algo eterno".

Portanto, eternidade é existência. Uma coisa é "eterna" se a própria definição dela inclui a existência, ou seja, não podemos concebê-la não existindo.

Spinoza explica essa definição da seguinte forma:

Pois tal existência, como a essência de uma coisa, é concebida como uma verdade eterna e, por essa razão, não pode ser explicada pela duração ou pelo tempo, mesmo que a duração seja concebida como sem começo ou fim.

Isso destaca como a definição de eternidade de Spinoza não se relaciona com tempo ou duração. Ele chama a eternidade de Deus de "o deleite infinito da existência, ou, em latim ruim, de ser".

Spinoza também define Deus como sendo "absolutamente infinito, ou seja, uma substância que consiste em uma infinidade de atributos, dos quais cada um expressa uma essência eterna e infinita".

A substância eterna e singular que é Deus, argumenta ele, "só pode ser concebida como infinita"; Deus não pode — como os modos de Deus podem — ser concebido como maior ou menor, dividido em partes ou limitado pela duração. Como um ser eterno e infinito, Deus não tem fronteiras ou limites.

Quando possuímos uma ideia adequada de Deus, formulada dessa forma, Spinoza diz que a mente passa para o mais alto estado de perfeição que é possível experimentar. O resultado é que experimentamos alegria no mais alto grau e, como esse tipo de conhecimento envolve uma compreensão de Deus como a causa dessa perfeição da mente, surge então um amor por Deus.

Spinoza chama isso de amor intelectual por Deus (amor dei intellectualis). É o conhecimento de Deus combinado com uma experiência emocional. Para Spinoza, o amor intelectual de Deus envolve uma "qualidade de ser abençoado" (blessedness) e "verdadeira paz de espírito".

O poeta romântico alemão Novalis chamou Spinoza de um "homem intoxicado por Deus" e podemos aplicar esse rótulo também à pessoa que tem uma experiência mística psicodélica.

O conceito de Spinoza sobre o amor intelectual de Deus certamente tem um paralelo com esses estados alterados. Pois quando alguém tem uma experiência noética, do tipo que diz respeito à eternidade e ao infinito, como uma compreensão da existência eterna e do universo infinito, isso geralmente é acompanhado por um senso de algo divino, sagrado ou santo, um sentimento de reverência e adoração e os mais elevados sentimentos de alegria, êxtase, deleite e paz.

Não poderíamos dizer que essa experiência é o amor intelectual de Deus de que fala Spinoza?

Essas experiências místicas e noéticas poderiam ser interpretadas dessa forma, mas talvez nem sempre se alinhem perfeitamente com a metafísica e o amor intelectual de Deus que Spinosa tinha em mente.

Talvez, em alguns casos, a sensação de "eternidade" no estado místico psicodélico não tenha relação com o tempo e a duração, conforme a filosofia de Spinoza — na verdade, muitas pessoas relatam que suas experiências psicodélicas acontecem "fora do tempo" ou que o tempo perde o sentido.

A experiência mística da chamada "existência pura" ou "ser puro", que ocorre em um estado de atemporalidade, também pode corresponder à noção de Spinoza da essência de Deus como existência, que é equivalente à eternidade.

Por outro lado, muitos usuários de psicodélicos sentem que seu estado alterado de consciência é eterno, no sentido de que dura para sempre, e outras noções do Deus de Spinoza podem estar ausentes; pode haver sentimentos de reverência e amor induzidos por psicodélicos, mas não direcionados a esse tipo especial de ser que Spinoza chama de Deus.

É difícil estabelecer a veracidade das experiências noéticas. Um estudo publicado na Scientific Reports descobriu que psicodélicos alteram as crenças metafísicas, afastando as pessoas da crença no materialismo ou fisicalismo, e aproximando-as do pampsiquismo.6

Esses supostos insights metafísicos, obtidos durante uma experiência psicodélica, podem ser genuínos, falsos ou parcialmente verdadeiros. Os insights que mais se repetem podem nos indicar onde está a verdade.

No entanto, também é possível que essas experiências compartilhadas, embora profundas e surpreendentes, sejam mais reflexos da arquitetura cerebral e da psicologia que todos os seres humanos compartilham, em vez de serem reflexos de uma grande verdade metafísica.

Pode até haver um meio-termo entre os dois pontos de vista: nossa biologia compartilhada poderia, por meio da influência de substâncias psicodélicas que nos afetam de forma semelhante, permitir que nos conectemos a uma percepção e sabedoria genuínas.

De qualquer forma, acho fascinante que muitas experiências noéticas induzidas por psicodélicos se assemelhem tanto às ideias metafísicas de certos místicos e filósofos ao longo dos tempos. Isso mostra a importância do estado psicodélico — uma mudança de perspectiva que pode informar e esclarecer nossos pontos de vista sobre a natureza da realidade e da consciência. Nesse sentido, psicodélicos podem ser considerados aliados químicos de valor inestimável que, em determinadas circunstâncias e quando usados adequadamente, podem ajudar na busca da verdade.


  1. A ideia de que a natureza da realidade é mental. Entre os filósofos idealistas, está Hegel, que é citado no artigo. Tudo é menteTudo é mente
    Esse é um dos melhores livros de filosofia que peguei nos últimos anos: The Idea of The World, de Bernardo Kastrup. É uma formulação sistemática e moderna do "idealismo", a ancestral ideia de que a natureza da realidade é mental,…
     

  2. Comentário pessoal: Isso aconteceu comigo com DMT. Às vezes, não aparecia nada de excepcionalmente marcante, mas tudo parecia ter um significado profundíssimo. Eu saía sem entender. O que exatamente foi profundo? Qual é a mensagem? Ao mesmo tempo, a resposta pode ser mais simples do que parece: tudo é imensamente significativo e profundo. 

  3. O deus de SpinozaO deus de Spinoza
    Eu acredito no deus de Spinoza, que se revela na harmonia legítima do mundo, e não em um deus que se preocupa com o destino e os atos da humanidade. Albert Eisntein, em carta ao rabino Herbert Goldstein (1929). Tinha…
     

  4. Isso se alinha bastante com um teoria científica: Evoluímos para não ver a realidadeEvoluímos para não ver a realidade
    Nessa palestra do TED → Do we see reality as it is? (há legendas em português), o cientista cognitivo Donald Hoffman explica como a seleção natural favorece a percepção limitada da realidade, que exclui tudo o que não se refere…
     

  5. Outro efeito da RMP é a conceitualização de um ego, ou eu, como base para a identidade. 

  6. Outra "conversão" comum entre quem experimenta psicodélicos é passar a considerar plantas como tendo consciência. Nas últimas décadas, passou a haver algum consenso entre biólogos de que esses seres vivos possuem sim cognição, apesar de ela ser diferente da humana.