O deus de Spinoza

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Eu acredito no deus de Spinoza, que se revela na harmonia legítima do mundo, e não em um deus que se preocupa com o destino e os atos da humanidade.

Albert Eisntein, em carta ao rabino Herbert Goldstein (1929).

Tinha vontade de me aprofundar no filósofo Spinoza (Holanda, séc. 17) desde que li História da Filosofia Ocidental, de Bertrand Russel, na faculdade. Nos sumários de fácil digestão sobre a vida e obra de cada pensador ocidental importante, dessa coleção, o "panteísmo racional" de Spinoza me pareceu a melhor maneira de explicar e extrair sentido da realidade.

Outro atrativo é que esse pensador foi um dos poucos que viveu a filosofia que formulou, ao invés do comportamento padrão de falar uma coisa e fazer outra. Se filosofia fosse religião, Spínoza seria um de seus maiores santos.

Capa de "Ética"

Sua obra máxima Ética não foge à regra dos clássicos de filosofia: "difícil" é apelido. Esse foi um dos motivos de ter demorado tanto para enfrentar o livro. Mas ainda pretendo reler diversas vezes, como em todo bom livro de ideias.

Se entendi metade, foi muito. A maior dificuldade é a formulação matemática das ideias. As frases constantemente remetem a várias outras proposições e definições complexas. Perdeu uma, perdeu todas, mais ou menos. Mas isso cria também uma beleza única, minimalista. Não há nem o menor desperdício de palavras. Cada frase cumpre com precisão cirúrgica o objetivo único de formular e comunicar esse sistema de ideias, apesar da complexidade.

O ponto de partida de Ética é tão simples que já foi incorporado à cultura em geral. Como tudo que existe, somos partes ou processos de um todo, o universo ou cosmos, que Spinoza chama de "deus ou natureza". Desse conhecimento, se desdobram formulações completas sobre a natureza da mente, das emoções e dos princípios éticos (ou seja, o que fazer). Cada proposição é demonstrada logicamente (incluindo a ideia de que "Deus" é um tipo de somatória total), e as principais vão se desdobrando em cascata.

Essa é a parte difícil, acompanhar a lógica. Mas também é o que há de mais valioso, já que meras ideias sobre metafísica e moral como essas, sem demonstração lógica consistente, abundam por aí, especialmente nas religiões.

O poder de Ética é a formulação de uma filosofia que dispensa crenças, abrangendo os aspectos da realidade tanto imanentes quanto transcendentes, e que se desdobra em princípios éticos não arbitrários mas, sim, fundamentados na natureza da realidade examinada. Por exemplo, a ideia de que o mal deriva de uma limitação na visão e compreensão da realidade, que impede a percepção da interconexão de tudo e a atitude benéfica que surge daí.

Uma consequência fundamental da visão spinozista é que experiências e insights que costumam ser descritos como "espirituais", "psicodélicos" ou "religiosos" — por exemplo, a transcendência do ego individual em direção ao reconhecimento de um princípio "maior" onipresente — nada mais são do que simples e finalmente ver a realidade como ela é. Ou seja, é um tipo de "transcendência imanente laica", que dispensa o sobrenatural.

Hoje em dia também é comum imaginar que princípios éticos consistentes (não relativistas) são coisas para pessoas religiosas, ou então "idealistas", ingênuas. É uma crise de valores. Mas, conforme Spinoza, a ética é uma consequência da compreensão da realidade.

Livros que explicam Spinoza

Na verdade, arrisquei mergulhar direto no clássico porque não encontrei nenhum "Spinoza for Dummies". Mesmo assim, senti a necessidade de ler simultaneamente livros que explicam esse pensamento.

Um deles é excelente: Spinoza's Religion (2021), de Clare Carlisle. A leitura é fluída, quase voltada para o público em geral. No entanto, a tese de Clare é que a filosofia de Spinoza não seria assim tão laica e "científica" quanto parece, havendo sim princípios "espirituais" sólidos. Apesar de eu ser simpático a essa ideia, isso é uma teoria porque os escritos do filósofo não provam isso (mas também não desprovam).

Outro que ajudou muito na parte inicial sobre "Deus ou natureza" foi Expressionism in Philosophy: Spinoza (1968), de Gilles Deleuze. Mas não li inteiro, já que ele vai ficando mais complexo do que o texto principal, por trazer várias outras interpretações.

Vi também recentemente esse ótimo texto (traduzido em português) que conecta Spinoza mais diretamente com a ecologia, além de sumarizar sua vida e obra.

Mais:

  • Contentamento absoluto em SpinozaContentamento absoluto em Spinoza
    The Philosophy of Hope — Beatitude in Spinoza (2023), de Alexander Douglas, analisa a filosofia do holandês Spinoza (séc. 17) como uma concepção da existência que traz contentamento absoluto. Apesar de ser mais acessível que o livro médio de filosofia…