Dicas essenciais para viagens psicodélicas

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Área de socorro psicodélico e redução de danos de um festival de música
Área de socorro psicodélico e redução de danos de um festival de música. Foto: Andrew Jorgensen. Artigo sobre o Zendo Project.

Um dos temas recorrentes deste blog é a exploração psicodélica, feita de forma prudente e responsável. Mas, por mais cuidadoso que tente ser para não incentivar o uso arriscado, sempre há o perigo.

Então vou listar algumas dicas essenciais para quem estiver prestes a adentrar, ou já adentrando, essas experiências.

Em 25 anos de experiências com psicodélicos, passei pelo seguinte, nessa ordem:

  • uso recreativo adolescente;
  • uso religioso em uma comunidade de ayahuasca;
  • uso menos religioso (desvinculado de uma comunidade), com espiritualidade mais aberta e agnóstica;
  • volta à recreação sem crenças, porém mais responsável e bem-informada;
  • e agora, sessões muito esporádicas, quase totalmente agnósticas, com fins que poderiam ser chamados tanto de "espirituais" quanto "filosóficos".

Variedades

Psicodélico significa literalmente "manifestador da mente" (conforme as raízes gregas da palavra), apesar de também ser usada para se referir à estética hippie sessentista.

Drogas psicodélicas são alucinógenos potentes como:

  • LSD;
  • DMT, presente na ayahuasca e outras misturas, como changa (pronuncia-se "tchanga") ou certos rapés;
  • psilocibina, do "cogumelo mágico" Psilocybe cubensis;
  • mescalina, princípio do cacto peiote;
  • MDMA (do ecstasy) também é considerado psicodélico, apesar do efeito não envolver visões;
  • 5-MeO-DMT é um dos mais potentes, presente na secreção do sapo (em extinção) Bufo alvarius ou em versão sintetizada;
  • etc.

A maioria tem circulação muito restrita ou de qualidade duvidosa e arriscada, ou ambas (como o LSD). Ayahuasca e psilocibina costumam ser mais acessíveis, com qualidade mais garantida e menos problemas legais.

Ayahuasca é a única dessa lista que não é ilegal no Brasil1 — curiosamente, o DMT que ela contém é ilegal isoladamente. Cogumelos Psilocybes não são ilegais em si, mas a molécula psilocibina que ele contém é.

Complicações

Há relatos de pessoas que tiveram complicações mentais prolongadas após uma única dose, como esse (ingl.). Entre quem usa, sempre se escuta histórias, quase lendas, sobre pessoas que não voltaram da viagem; talvez estejam relacionadas.

Um artigo sobre isso da revista de divulgação científica Nautilus: The Bad Trip Detective (link para tradução automática). Segundo uma pesquisa mencionada nesse artigo, casos complicados costumam se prolongar ou piorar quando essas pessoas não têm informações adequadas sobre o que está acontecendo com elas. Isso pode estar ligado a complicações sérias pré-existentes e, nesse caso, o recomendável é não usar psicodélicos.

No caso de situações mentais difíceis e persistentes, é essencial procurar ajuda especializada.

Recreação

Só usei psicodélicos em contexto de festa ou curtição na adolescência. Pra mim não funciona. Não recomendo. Sempre ouço falar de desastres com dosagem, e passei perto de alguns.

Em dose reduzida, LSD ou psilocibina podem ter um efeito estimulante. Em dose alta, levam para outro mundo. São comuns pavor e paranoia intensas por se encontrar no meio de pessoas desconhecidas (que parecem ameaçadoras) durante esse efeito. Fora o risco de acidentes, devido à desconexão com a realidade.

Para quem, mesmo assim, for arriscar nesse contexto é crucial estudar bem a dosagem. Uma boa fonte é o Erowid (em inglês).

Já substâncias como DMT ou 5-MeO-DMT praticamente não têm função recreativa, provocando com frequência viagens extremamente aterrorizantes.

Não desconsidero a "recreação psicodélica". O limite onde a "seriedade" termina e começa a "diversão" não é claro e talvez nem exista. A apreciação transfigurada de música durante o efeito é um exemplo.

No entanto, tenho menos a compartilhar nesse ponto por ter tido menos experiências positivas com recreação descompromissada.

Condições interna e externa

Está amplamente provado, tanto em estudos científicos quanto pela experiência de quem usa: o que torna uma viagem boa ou ruim é a dupla "set & setting", o cenário em combinação com a condição interna. Isso é mais definidor até do que o tipo de substância.

Um cenário ruim — por exemplo, pessoas com comportamento tóxico, ou riscos de segurança — pode arruinar a experiência mesmo com uma condição interna OK. E vice-versa: uma condição interna desfavorável destrói uma sessão mesmo no melhor cenário possível.

Para a condição interna, a preparação essencial é examinar e ajustar motivações e objetivos, criando uma fundação consistente e sólida, como um amparo. Para o cenário, garanta que o ambiente e acompanhantes não tragam obstáculos e riscos, e forneçam todas as condições externas adequadas e propiciadoras.

Sobre isso, um texto de Timothy Leary, A Experiência Psicodélica resumidaA Experiência Psicodélica resumida
Encontrei o texto abaixo revirando diretórios que não toco há mais de dez anos. É um artigo de Timothy Leary (1920 - 1996) que resume os pontos essenciais do clássico A Experiência Psicodélica (a imagem acima é parte da capa…
, traz mais detalhes.

Expectativa de cura

Pessoas que se livram de distúrbios crônicos sérios após consumir psicodélicos por conta própria quase não existem. A gente ouve dizer aqui e ali, mas soam mais como lendas.

Já em comunidades de ayahuasca, por exemplo, isso não é raro — devido ao lado comunitário e social que possibilita e potencializa a transformação genuína. O mesmo vale para a psicoterapia psicodélica. Em países onde isso existe ou foi feito de forma profissional, há tantas evidências do efeito curativo que isso está levando à regularização da atividade.

O que posso dizer em minha experiência é que vi muito mais agravamento de distúrbios mentais do que cura.

Resumindo: se tem algum distúrbio sério, não espere que um psicodélico vá lhe curar. Há uma boa chance de piora até. Por "distúrbio sério", me refiro a condições que exigem atenção médica ou psicoterapêutica.

No entanto, isso talvez seja possível em um contexto mais comprometido, como se juntar a uma comunidade ou passar por tratamento especializado (caso isso seja regularizado por aqui).

Também é preciso ceticismo e cuidado com "xamãs urbanos". Isso virou um negócio muito lucrativo, onde abundam relatos de experiências traumáticas por falta de suporte ou de pura comercialização desalmada.

Já no caso de padrões habituais menores — por exemplo, fumar ou beber demais, nutrir muita raiva ou cobiça, arrogância etc —, observei que eles podem sim ser corrigidos ou melhor compreendidos com psicodélicos, mesmo em sessões mais informais.2

Crenças

Nos casos de dose elevada com um mergulho comprometido, são relativamente comuns revelações fantásticas, em que a pessoa sai acreditando no conteúdo literal da experiência. Por exemplo, contato com alienígenas, espíritos, divindades etc.

Um texto que investiga bem essa questão: Há verdade em revelações psicodélicas?Há verdade em revelações psicodélicas?
Ateísmo e agnosticismo parecem estar mais presentes na atual renascença psicodélica. É algo bastante bem-vindo, já que esse universo sempre foi influenciado — ou até dominado — pelos mais variados tipos de crenças. São comuns relatos de encontros ou união…

Não excluo a possibilidade de haver alguma comunicação. Mas, com base em minhas experiências, de pessoas que conheço e muitas que li ou ouvi, a maioria absoluta dessa forma de contato se refere mais a um tipo de metáfora, como acontece em sonhos.

Sonhos trazem muitas mensagens úteis. Por exemplo, sobre aspectos da vida que precisam de ajustes ou provocam desconforto, e que estão sendo negligenciados. A mensagem em si é mais importante do que a forma específica pela qual ela vem.

Acredito que, por exemplo, a visão de "uma entidade sábia, cuja luz conforta e pacifica, que transmite perdão e compaixão, sem estar separada de mim" se refere mais ao reconhecimento de uma natureza profunda, ou fonte benéfica para a existência, que costuma não ser vista ou sentida. Uma forma mitológica, o mito atuando como uma linguagem que comunica mais diretamente.

Isso pode ser sobre a interconexão da natureza, sobre a futilidade do ódio, sobre a importância da solidariedade. Essa é a mensagem mais importante. E não tanto a forma pela qual a mensagem vem, ou o nome e outros conceitos que associamos a essa imagem.

Pessoalmente, extraio muito mais sentido e transformação positiva com essa abordagem.

Bad trip

Viagens ruins fazem parte. Acontece nas melhores famílias. Uma dica universal é não encarar o desconforto ou mesmo sofrimento como algo a ser evitado.

A armadilha é culpar a droga, o ambiente, as pessoas responsáveis pela sessão (se houver) ou até mesmo entidades imaginárias como espíritos, conspirações etc.

Não existe pílula da angústia. Ela aparece porque faz parte de nossa própria mente, de nossa experiência.

É como na vida, porém de modo condensado e intensificado. Aprendemos com situações difíceis. Geralmente são as lições mais profundas de todas.

Algo que pode ser muito útil nessa hora é o conceito budista de karma. Ele diz que é impossível vivenciarmos alguma coisa pela qual não temos absolutamente nenhuma responsabilidade. Soa esotérico e difícil de aceitar, mas se essa questão for examinada a fundo durante uma bad trip, é possível perceber que de fato contribuímos para aquilo que estamos experimentando. É a mesma lógica de um pesadelo.

O ideal é que, junto com tal reconhecimento, venha uma aceitação, do tipo: "Isso é minha responsabilidade. Então aceito. Pode vir, venha tudo. Estou vendo as consequências e não vou causá-las de novo."

Uma das principais causas da sensação de sofrimento intenso de uma bad trip é resistir, virar a cara, não aceitar aquilo que está aparecendo. Abrir mão dessa resistência inútil e até prejudicial ocorre simultaneamente ao insight sobre as causas e, aí, a angústia termina. Com frequência, ela dá espaço para um alívio, abertura e leveza até então inéditas.

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    — Sobre o tratamento que o tema vem ganhando na mídia.
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  1. No caso de uso ritual religioso. 

  2. Uma curiosidade: o fundador dos Alcoólicos Anônimos fez experiências com LSD nos anos 50 e tinha convicção de que esse psicodélico ajudava na cura do alcoolismo.